terça-feira, 28 de maio de 2013

Não-pertencimento

Nunca tinha lido VIAGEM AOS SEIOS DE DUÍLIA,  do escritor carioca Aníbal Machado. Apesar de ter sido escrito em 1959, as aflições e o sentimento de não  pertencimento do protagonista se parecem muito com as chagas emocionais que assolam os habitantes do presente tempo, notadamente a esse que vos escreve.
- marcos daniel -







"Mais do que nunca, sentiu José Maria 
naquela noite a solidão da casa. 
Não tinha amigos, não tinha mulher 
nem amante. E já lera todos os jornais. (...) 
Como vencer a noite que mal começava ? 
Fechou o rádio com desespero, virou dois tragos 
de vinho do Porto, deitou-se. A espaços ouvia 
o barulho do bondezinho brilhando nas curvas 
da colina, a explosão de um e outro foguete 
que subiam da vertente de Águas Férreas, 
seguida de latidos de cães e gritos indistintos. 
Ingeriu outra dose de vinho. E adormeceu."
- Aníbal Machado -

Texto na íntegra AQUI 

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Solidão

"A solidão é uma solução muito sozinha.
A solidão é uma solução sozinha.
A solidão não é uma solução
Só minha.
A solidão não é só minha.
A solidão não é sozinha."
- viviane mosé -

"A solidão é pretensão de quem fica
escondido fazendo fita."
- cazuza -

"E dizem que a solidão
até que me cai bem."
- renato russo -

domingo, 26 de maio de 2013

Poema em Linha Reta - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

sábado, 25 de maio de 2013

Quem tem olhos pra ver o tempo


por Viviane Mosé

quem tem olhos pra ver o tempo 
soprando sulcos na pele 
soprando sulcos na pele 
soprando sulcos?

o tempo andou riscando meu rosto
com uma navalha fina

sem raiva nem rancor
o tempo riscou meu rosto
com calma

(eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença)

acho que a vida anda passando a mão em mim.
a vida anda passando a mão em mim.
acho que a vida anda passando.
a vida anda passando.
acho que a vida anda. 
a vida anda em mim.
acho que há vida em mim.
a vida em mim anda passando.
acho que a vida anda passando a mão em mim

e por falar em sexo 
quem anda me comendo é o tempo 
na verdade faz tempo mas eu escondia 
porque ele me pegava à força e por trás 

um dia resolvi encará-lo de frente e disse: 
Tempo, se você tem que me comer 
que seja com o meu consentimento 
e me olhando nos olhos!

acho que ganhei o tempo 
de lá pra cá ele tem sido bom comigo 
dizem que ando até remoçando.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Apelo


por Marcos Daniel*

Acho que nós somos dois fodidos.
Nós dois temos problemas.
Nós dois. Eu sei que eu tenho.

Mas isso não significa que 

o que eu sinto não seja verdadeiro...
que eu não possa amar alguém.

E sei que o meu comportamento

é muito, muito ruim.

Mas... então, se você quiser me deixar,

eu compreendo.

Mas, por favor, não me deixe.



_________________________
*Na verdade é a adaptação de um trecho da fala
da personagem Rae (Cristina Ricci no melhor papel 
de sua carreira) no filme "Entre o Céu e o Inferno",
que eu rabisquei inspirado também num trecho 
da canção chatíssima da Clarice Falcão
("Eu queria tanto que você não fugisse 
de mim / mas se fosse eu, eu fugia.").

Eu não vou linkar a música porque 
sério mesmo, é muito ruim !!!

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Why ?


This is the book I never read
These are the words I never said
This is the path I'll never tread
These are the dreams I'll dream instead
This is the joy that's seldom spread
These are the tears...
The tears we shed
This is the fear
This is the dread
These are the contents of my head
And these are the years that we have spent
And this is what they represent
And this is how I feel
Do you know how I feel?
'Cause I don't think you know how I feel
I don't think you know what I feel
I don't think you know what I feel
You don't know what I feel
-  annie lennox -


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Como se sente uma mulher

por Claudia Regina*

“Do you know what it feels like for a girl?
Do you know what it feels like in this world?”
- madonna -

Aconteceu ontem. Saio do aeroporto. Em uma caminhada de dez metros, só vejo homens. Taxistas do lado de fora dos carros conversando. Funcionários com camisetas “posso ajudar?”. Um homem engravatado com sua malinha e celular na mão. Homens diversos, espalhados por dez metros de caminho. Ao andar esses dez metros, me sinto como uma gazela passeando por entre leões. Sou olhada por todos. Medida. Analisada. Meu corpo, minha bunda, meus peitos, meu cabelo, meu sapato, minha barriga. Estão todos olhando. 


Aconteceu quando eu tinha treze anos. Praticava um esporte quase todos os dias. Saía do centro de treinamento e andava cerca de duas quadras para o ponto de ônibus, às seis da tarde. Andava pela calçada quase vazia ao lado de uma grande rodovia. Dessas caminhadas, me recordo dos primeiros momentos memoráveis desta violência urbana. Carros que passavam mais devagar do meu lado e, lá de dentro, eu só ouvia uma voz masculina: “gostosa!”. Homens sozinhos que cruzavam a calçada, olhavam para trás e suspiravam: “que delícia.” Eu tinha treze anos. Usava calça comprida, tênis e camiseta.

Agora, multiplique isso por todos os dias da minha vida.

Sei que para homens é difícil entender como isso pode ser violência. Nós mesmas, mulheres, nos acostumamos e deixamos pra lá. Nós nos acostumamos para conseguir viver o dia a dia.

Esses dias, estava sentada na praia vendo o mar, e dele saiu uma moça. Passou por um rapaz que disse algo. Ela só saiu de perto e veio na minha direção. Dei boa noite, ela falou que a água estava uma delícia, e conversamos um pouco. Perguntei se o cara havia lhe falado alguma besteira. Ela disse, “falou, mas a gente tá tão acostumada, né?, começa a ignorar automaticamente”.

O privilégio é invisível. Para o homem, só é possível ver o privilégio se houver empatia. Tente imaginar um mundo onde, por cinco mil anos, todos os homens foram subjugados, violentados, assassinados, podados, controlados. Tente imaginar um mundo onde, por cinco mil anos, só mulheres foram cientistas, físicas, chefes de polícia, matemáticas, astronautas, médicas, advogadas, atrizes, generais. Tente imaginar um mundo onde, por cinco mil anos, nenhum representante do seu gênero esteve em destaque, na televisão, no teatro, no cinema, nas artes. Na escola, você aprende sobre a história feita pelas mulheres, a ciência feita pelas mulheres, o mundo feito pelas mulheres.


No seu texto “Um teto todo seu”, Virgínia Woolf descreve por que seria impossível para uma hipotética irmã de Shakespeare escrever de forma genial como ele. Woolf diz:


“quando lemos sobre uma bruxa sendo queimada, uma mulher possuída por demônios, uma mulher sábia vendendo ervas… acho que estamos olhando para uma escritora perdida, uma poeta anulada.”

Desde o início do patriarcado, há cinco mil anos, as mulheres não tiveram liberdade suficiente para serem cientistas ou artistas. Woolf explica:

“liberdade intelectual depende de coisas materiais. … E mulheres foram sempre pobres,  não por duzentos anos, somente, mas desde o início dos tempos.”

Esse argumento não serve somente para mulheres: negros, pobres e outras minorias não poderiam ser geniais poetas pois, para isso, é necessário liberdade material.


Embora o mundo esteja em processo de mudança, ainda existem menores oportunidades e reconhecimento para mulheres e minorias exercerem qualquer ocupação intelectual. Leitores de uma página do facebook sobre ciências ainda supõem que o autor seja homem e comentaristas de televisão não consideram manifestações culturais que vêm da favela como cultura de verdade.

É verdade: hoje, a vida é muito melhor, principalmente para a mulher ocidental como eu. Mas, mesmo sendo uma mulher livre e bem-sucedida vivendo em uma metrópole ocidental, ainda sinto na pele as consequências destes cinco mil anos de opressão. E, se você quiser ver essa opressão, não precisa ir nos livros de história. É só ligar a televisão:

Rio de Janeiro, 2013. Um casal é sequestrado em uma van. As sequestradoras colocaram um strap-on sujo, fedido de merda e mofo, e estupraram o rapaz. Todas elas, uma a uma, enfiavam aquela pica enorme no cu do moço, sem camisinha e sem lubrificante. A namorada, coitada, tentou fazer algo mas foi presa e levou chutes e socos.

Ao ver esta notícia, você se coloca no lugar da vítima (que sofreu uma das piores violências físicas e psicológicas existentes) ou no lugar de quem assistiu? Naturalmente troquei os gêneros: a violência real aconteceu com uma mulher.

Quantas violências eu sofro só por ser mulher?

Na infância, fui impedida de ser escoteira pois isso não era coisa de menina. Fui estuprada aos oito anos. (Eu e pelo menos dois terços das mulheres que conheço e que você conhece sofreram um estupro e provavelmente não contaram para ninguém.) Sofri a pré-adolescência inteira por não me comportar como moça. Por não ter peitos. Por não ter cabelos longos e lisos. Desde sempre tive minha sexualidade reprimida pela família, pela sociedade, pela mídia. Qualquer coisa que eu pisasse na bola seria motivo para ser chamada de vadia. Num dos primeiros empregos, escutei que mulheres não trabalham tão bem porque são muito emocionais e têm TPM. Em um outro emprego, minha chefe disse que meu cabelo estava feio e pagou salão para eu ir fazer escova e ficar mais apresentável pros clientes. Decidi que não quero ser escrava da depilação e sou olhada diariamente com nojo quando ando de shorts ou blusinha sem mangas. Já usei muita maquiagem, só porque a televisão e os outdoors mostram mulheres maquiadas, e portanto é muito comum nos sentirmos feias de cara limpa. 

Você, homem, sabe o que é maquiagem? Tem um produto para deixar a pele homogênea, um pra disfarçar olheiras, outro para disfarçar manchas, outro para deixar a bochecha corada, outro para destacar a sobrancelha, outro para destacar os cílios, outro para colorir as pálpebras, outro para colorir os lábios. Quantas vezes você passou tantos produtos na sua cara só porque seu chefe ou seu primeiro encontro vai te achar feio de cara limpa? Quando estou no metrô preciso procurar um cantinho seguro para evitar que alguém fique se roçando em mim. Você faz isso? Quando vou em reuniões de família, me perguntam por que estou tão magra, e o que fiz com o cabelo e quem estou namorando. Para o meu primo, perguntam o que ele está estudando e no que está trabalhando. Na televisão, 90% das propagandas me denigrem. Quase nenhum filme me representa ou passa no teste de Bechdel. Todas as mulheres são mostradas com roupas sexy, mesmo as super heroínas que deveriam estar usando uma roupa confortável para a batalha. As revistas me ensinam que o meu objetivo na cama é agradar o meu homem. Enquanto você, menino, comparava o seu pau com o dos amiguinhos, eu, menina, era ensinada que se masturbar é muito feio e que se eu usar uma saia curta não estou me dando o respeito. Quanto tempo demorei para me desfazer da repressão sexual e virar uma mulher que adora transar? Quanto tempo demorei para me soltar na cama e conseguir gozar, enquanto várias das minhas colegas continuam se preocupando se o parceiro está vendo a celulite ou a dobrinha da cintura e, por isso, não conseguem chegar ao gozo? Quanto tempo demorei para conseguir olhar para um pau e transar de luz acesa? Quantas vezes escutei, no trânsito, um “tinha que ser mulher”? Quantas vezes você fechou alguém e escutou “tinha que ser homem”? Tudo isso para, no fim do dia, ir jantar no restaurante e não receber a conta quando ela foi pedida pois há cinco mil anos sou considerada incapaz. E tudo isso, porra, para escutar que estou exagerando e que não existe mais machismo.

Isso é um resumo muito pequeno do que eu sofro ou corro o risco de sofrer todo dia. Eu, mulher branca, hetero, classe média. A negra sofre mais que eu. A pobre sofre mais que eu. A oriental sofre mais que eu. Mas todas nós sofremos do mesmo mal: nenhum país do mundo trata suas mulheres tão bem quanto trata seus homens. Nenhum. Nem a Suécia, nem a Holanda, nem a Islândia! Em todo o mundo “civilizado” sofremos violência, temos menos acesso à educação, ao trabalho ou à política.

Em todo o mundo, somos ainda as irmãs de Shakespeare.

* * *

E você, leitor homem? Quando é abordado de forma hostil por um estranho na rua, pensa “por favor, não leve meu celular” ou “por favor, não me estupre”?


_______________________________

Claudia Regina. Largadora por vocação.
Largou carreira, largou faculdade, largou Curitiba.
Hoje mora no Rio mas quica pelo mundo, fotografando,
tomando sopa e cochilando. Autora do blog
Dicas de Fotografia, fotógrafa e viajante.
Publicado originalmente em Papo de Homem

terça-feira, 21 de maio de 2013

Doidamente paranoicos.

por Marcos Daniel

Talvez falte um pouco 
de paranoia na minha vida.
Eu acho as pessoas paranoicas 
tão interessantes. 

Elas acreditam que todos os outros 
seres humanos estão, agora mesmo, 
reunidos em algum lugar, ocupados
em intentar uma maneira mais eficiente 
de foder-lhes a vida. 

Os paranoicos tem um ego gigantesco, 
se acham o centro do universo 
e isso deve ser bastante divertido. 

Eu, de minha parte, não acredito 
que algum vivente vá desperdiçar 
um tiquinho que seja de sua sinapse 
meditando na minha existência. 

Eu acho graça...

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Ou, em alguns casos, grande.


"As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem; 
mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável 
o concurso de uma pequena antipatia física."
- friedrich nietzsche -

domingo, 19 de maio de 2013

Tudo novo de novo


Vamos começar
Colocando um ponto final
Pelo menos já é um sinal
De que tudo na vida tem fim

Vamos acordar
Hoje tem um sol diferente no céu
Gargalhando no seu carrossel
Gritando nada é tão triste assim

É tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos

Vamos celebrar
Nossa própria maneira de ser
Essa luz que acabou de nascer
Quando aquela de trás apagou

E vamos terminar
Inventando uma nova canção
Nem que seja uma outra versão
Pra tentar entender que acabou

Mas é tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos
- paulinho moska -

.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

The Choice Of Motherhood and Insidious Drug Store Signage


por Stoya*
I had the privilege of growing up with a second wave feminist/reformed hippy mother. Before I sprouted my first pubic hair she handed me a mirror and a flashlight and told me to get to know my vagina. I was raised to believe that my body was mine to share with whoever I chose, whether that was one man, a couple of women, or a whole bunch of people over the course of my life. My mom home schooled me for most of my childhood, and the parts of history that most excited her were the struggles for social change. When I was in 4th grade we drove down to Atlanta and took a tour of an old plantation. Afterwards we stood on the giant lawn and my mother’s bright green eyes turned an unsettling shade of yellow from emotional overstimulation as she educated me about the history of -isms in America and how important freedom and tolerance are. 

A year or so later we found this book, ‘The Movers and Shakers,’ in a used bookstore outside of Charlotte. It was about activists in the sixties. The black cover with orange and yellow writing made the contents seem urgent but the dust and used book smell made it seem old and historical, like something important had happened in the distant past. This book prompted my mother to share her own experiences of being a young adult in the early seventies. She’d fought for civil rights, she’d celebrated when Roe vs. Wade was decided in favor of reproductive rights, and she’d been the only woman working in the engineering department at a nuclear plant when she got pregnant with me. I was ten or eleven when I first heard these stories. I thought my mom was positively ancient and I had little contact with other kids or the outside world. I believed she’d helped make the world a better place a very long time ago and thought that everyone was accepting of everyone else now. I thought that all the battles for human rights had been won already and I imagined prejudice as a relic of the past; if it still existed it must have been decaying next to a gramophone or ice box in a junkyard somewhere. I saw the effects of the sexual revolution and the right to abortion as gifts that my mother’s generation had given mine.

The first time someone tried to shame me for sexual activities, I thought they were the cultural equivalent of the missing link. It took me years to really understand that there are at least as many anti-equality, anti-sex work, anti-homosexual, and anti-all sorts of other things people in the world as there are people who think like me. Sometimes I still forget. For instance, when I said in my first article for Vice that “I’ve been pretty successful at avoiding pregnancy.” I was surprised when people assumed that meant I’d never had an abortion. What I should have said was that given the amount of sex I’ve had (and without doing the actual math) three abortions seems statistically low. In the same way I feel entitled to have the kind of sex I want to have, purchase condoms, leave the kitchen, wear shoes, and put my body through attempts to find a hormonal birth control method that works for me, I feel entitled to have an abortion when necessary. They’re a last resort and I do try to avoid them, but an abortion is still a better option in my opinion than an unwanted child. All three of my abortions were medication induced. Taking RU-486 to end a pregnancy is more painful than my worst period but less painful than a burst ovarian cyst. 

Just like I prefer to avoid getting pregnant at all, I’d prefer to always catch unwanted pregnancies as early as possible and avoid the more invasive aspiration or dilation and evacuation procedures. I will take a pregnancy test if I don’t see my period for 29 days or if it’s suspiciously light. I’ve been on Loestrin 24Fe (a kind of hormonal birth control) since January 7th. I take my pill every single day between 7 and 9 am. I missed one of the placebo/iron supplement pills about a month ago and took a double dose the next day. I’ve heard that this pill occasionally causes women to stop menstruating entirely, but I haven’t seen anything resembling full-on menstruation for a suspiciously long time and I have actually taken pregnancy tests when I haven’t even touched a penis for months just to see the little minus sign or the “not pregnant” and be happy that there’s at least one thing that isn’t currently a problem if I’m having a bad week. So I went to the drugstore a couple of days ago and got a pregnancy test from the family planning aisle. 

The phrase family planning hanging on a sign above the pregnancy tests and condoms irritates me because it implies that everyone plans to have a family at some point. As the cashier was ringing me up another woman behind the counter asked me how my day was going. I told her that I was on birth control, pointed out that I was purchasing a pregnancy test and a bottle of Aleve, and said she probably didn’t want to hear the actual answer. She chuckled awkwardly and wandered off. I usually go for EPT or Clearblue, but this time I went with First Response. When I pulled out the test and instructions, a cardboard gizmo fell out. First Response has taken the presumption that everyone wants to have a baby one step further by including a congratulatory contraption that tracks one’s due date and has a helpful form on the back for “Moments & Milestones” including possible baby names, birth time, and weight. I’d hoped that the asterisk next to “A general guide for your enjoyment.” would lead to a footnote saying “You know, if you’re interested in having a baby.” but it was a disclaimer stating that only a physician can determine due dates. I grumbled while I waited three minutes for the results and seethed when both tests came up with error messages. 

Inferior products aside, the thing that makes me angry is the insidious suggestion that all women want children and the subtle shaming of people who exercise their reproductive rights. This is part of the reason women feel the need to say things like “I only had one abortion” or “a baby at that point would have ruined my college prospects.” I resent the way this sneaky societal pressure has wormed itself into my brain enough that I feel the need to explain my mild latex allergies and issues with hormonal birth control or follow the number of pregnancies I’ve terminated with a reminder of how many sexual acts I’ve engaged in when talking about my own abortions. I’m uncomfortable about the way that I’ve allowed these messages to undermine my belief in my rights enough to feel defensive about exercising them. Every time that a woman like Molly Crabapple or Chelsea G. Summers vocally stands behind their decision to abort, it’s a drop in the bucket that maintains balance against people like Todd Akin and Jack Dalrymple. It reminds me that the freedoms we do have are precarious and that a sizable chunk of America sees women, homosexuals, and anyone who is different than they are as lesser beings… and that sucks.

Stoya é atriz pornô,
escritora e blogueira.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Martelo Bigorna


- lenine -

Muito do que eu faço
Não penso, me lanço sem compromisso.
Vou no meu compasso
Danço, não canso a ninguém cobiço.

Tudo o que eu te peço
É por tudo que fiz e sei que mereço
Posso, e te confesso.
Você não sabe da missa um terço

Tanto choro e pranto
A vida dando na cara
Não ofereço a face nem sorriso amarelo
Dentro do meu peito uma vontade bigorna
Um desejo martelo

Tanto desencanto
A vida não te perdoa
Tendo tudo contra e nada me transtorna
Dentro do meu peito um desejo martelo
Uma vontade bigorna

Vou certo
De estar no caminho
Desperto.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

quarta-feira, 1 de maio de 2013

As dificuldades de argumentar contra o senso comum

Por Sylvia Debossan Moretzsohn,
publicado originalmente no 


      
O assassinato de uma dentista em São Bernardo do Campo (SP), na quinta-feira (25/4), reforçou a mais recente campanha a favor da redução da maioridade penal e/ou de punição mais severa e longa a menores que cometem crimes bárbaros com este, em que a vítima foi queimada viva porque não tinha dinheiro suficiente em sua conta. Como se sabe, foi um adolescente de 17 anos que assumiu a responsabilidade por ter tocado fogo na mulher.

A campanha, retomada sempre que algum crime de grande repercussão é cometido por – ou tem a participação de – adolescentes, está na ordem do dia desde que um jovem universitário foi assassinado ao chegar em casa, em São Paulo, na noite de 10/4, por um rapaz que estava a três dias de completar 18 anos e que disparou aparentemente sem motivo, depois de lhe levar o celular. O episódio provocou passeatas a favor da redução da maioridade penal e o governador do estado, Geraldo Alckmin, logo veio a público anunciar seu projeto de emenda constitucional para permitir o agravamento da punição a adolescentes que cometessem esse tipo de crime. Depois do assassinato da dentista, voltou à carga: “Lamentavelmente mais um menor, a gente tem visto menores em crimes extremamente hediondos (sic)”.

A notícia de fatos como esses, que chocam pela extrema crueldade ou pela aparente gratuidade flagrada por câmeras de segurança, tende a provocar no público a ideia de que este é o padrão de comportamento de jovens delinquentes, que precisam ser contidos a qualquer custo. Os próprios jornais contribuem para essa percepção, sobretudo quando aproveitam para fazer pesquisas no calor da hora: assim, a Folha de S.Paulo não teve dificuldades em confirmar – e, subsidiariamente, alimentar – o clamor pelo endurecimento da lei ao realizar pesquisa logo após o assassinato do jovem universitário, anunciando os 93% de apoio à proposta de redução da maioridade penal para 16 anos no alto da primeira página da edição de 17/4.

Profecia autocumprida

Bem a propósito, o diretor do DataFolha comentou: “Há um acúmulo de eventos dessa natureza, que tiveram grande repercussão e geram sensação de impunidade que influenciam na opinião da população”.

A profecia autocumprida da pesquisa facilita a suíte, em 18/4: “Redução da maioridade opõe analistas e sociedade”, ao lado da foto em que os pais do jovem morto recebem a homenagem de Neymar, no gramado da Vila Belmiro, antes do início de um jogo do Santos na Copa do Brasil.

Claro: os “analistas” – que são frios, racionais, insensíveis e distantes – não estão em sintonia com a “sociedade” – ou, melhor dito, com o “senso comum”, que sofre com os eventos da vida prática. E a tendência, como se sabe, é valorizar a “voz do povo”, sem questionar como essa voz é modulada e como ela pode equivocar-se, bastando entre tantos exemplos o da eleição de Adolf Hitler para chanceler da Alemanha, num contexto histórico que nenhum de nós deveria ignorar.

Nesse quadro, a abertura de espaço a críticas ao recrudescimento punitivo acaba sendo inócua, porque não há qualquer disposição pública para o debate: as posições já estão cristalizadas e só diferem no grau de radicalização da punição a ser aplicada.



A negação do debate

Por isso não surpreendem os comentários contestadores, irônicos e muitas vezes grosseiros ao depoimento de uma jornalista que ousou expor sua história de humilhação vivida ainda na década de 1970, diante de um menor que a estuprou quando ela era estudante e estagiava num escritório. O relato ganhou página inteira na edição da Folha de domingo (28/4). A intenção do jornal, aparentemente, era mostrar esse “outro lado” da vítima que, apesar da violência, rejeita o apelo ao endurecimento da lei:

“O principal argumento dos defensores da redução da maioridade penal pode ser sintetizado em uma frase: ‘Queria ver se fosse com você’. Pois foi com a jornalista Luiza Pastor, 56, casada e mãe de uma menina. Com apenas 19 anos, Luiza, ainda estudante da USP, foi estuprada por um garoto menor de idade. Experiência tão traumática, entretanto, não a transformou em defensora da redução da maioridade penal”.

Ninguém pareceu ter percebido a referência ao histórico do rapaz, filho de mãe prostituta e pai desconhecido, criado por uma avó evangélica “que tentara salvar-lhe a alma à custa de muitas surras”. Nem se fez muito caso dos motivos que levaram a vítima a não procurar a polícia, num tempo de ainda intensa repressão política. A enxurrada de protestos e acusações foi impressionante, embora previsível: “covarde”, “apresente ele para sua filha”, “se tivesse sido queimada viva, assassinada, mutilada, cegada, talvez não fosse tão complacente”, “com a maior certeza possível ela deve ter adorado, e pedido mais”, além das várias menções à famosa “Síndrome de Estocolmo”. Não faltaram, tampouco, críticas à própria Folha pela “matéria tendenciosa”, acusando o jornal de ir contra a vontade da maioria.

É a reação automática, irrefletida, tão comum nas caixas de comentários dos sites noticiosos ou nas redes sociais, que mata qualquer possibilidade de discussão. É como se essas pessoas não tivessem condições de raciocinar fora de sua lógica já estabelecida, e então se aproximassem de qualquer texto já armadas de suas convicções.

O articulista Hélio Schwarstman padeceu do mesmo problema: como ainda estava “recebendo ofensas eletrônicas” pelo artigo publicado na semana anterior (12/4, “Maioridade penal“) nos estreitos limites de sua coluna na página 2, ele resolveu voltar ao tema no dia 18/4 (“Os menores e as penas“) valendo-se “do mais generoso espaço proporcionado pela internet”. Não adiantou muito, a julgar pelos poucos comentários, em geral desabonadores, a começar pelo primeiro, que o aconselhava a exercitar o dom da síntese.

“Emoção e racionalidade”

No mesmo dia em que saiu a pesquisa do DataFolha, o articulista Marcelo Coelho (“No país das masmorras“) questionava os argumentos dos que, como Schwartsman, deploravam o clima emocional em torno de tema tão delicado e complexo quanto aquele. No entanto, não se trata apenas de alertar para o equívoco de se legislar com o fígado, mas de mostrar que as reações emocionais – do público, em seus comentários – partem de prejulgamentos e resultam na inviabilização de qualquer debate.

Ao mesmo tempo, a chamada de capa para o artigo era muito significativa: “Quem pede leis rigorosas quer o fuzilamento”. E era assim a conclusão:

“Quem pede leis mais rigorosas simplesmente usa um eufemismo: queria que todo criminoso fosse fuzilado. Quem é contra leis mais rigorosas sabe que, na verdade, as que existem são outro eufemismo. Falam em ‘instituição correcional’, em ‘presídio’ , quando deveriam dizer ‘campo de concentração’, ‘pocilga’ ou ‘masmorra’.



“Antes, dizia-se ‘Carandiru’”.

Tentar averiguar se a “sensação de impunidade” sugerida pelo DataFolha tem alguma base concreta poderia ser objeto de outra pesquisa, decorrente de uma desejável série de reportagens que mostrassem a trajetória desses menores capazes de cometer barbaridades, em que contexto social vivem, como funcionam as tais “medidas socioeducativas” nas instituições às quais são recolhidos. Mas isso não parece estar na pauta.

Há quem procure aparecer como a voz sensata a equilibrar “emoção e racionalidade” nesse turbilhão e defenda a redução da maioridade penal associada a um “mutirão de inclusão social”, como faz o professor Carlos Alberto di Franco em artigo (“Criminalidade – emoção e racionalidade“) no Estado de S.Paulo de segunda-feira (29/4). Cita o projeto do governador Alkmin sobre a “possibilidade de um juiz determinar, após avaliação multiprofissional, a internação de até oito anos para jovens que cometem crimes”. Naturalmente ninguém indaga sobre a existência e os métodos dessa competente equipe multidisciplinar, capaz de aferir cientificamente quem serve e quem não serve para o convívio social; tampouco é preciso muito esforço para concluir que, uma vez trancafiados os jovens bárbaros – uma vez aplacado o clamor público por justiça, ou vingança –, o “mutirão de inclusão social” trilhará o caminho habitualmente reservado às boas intenções.

Ao mesmo tempo, a própria menção à inclusão social sugere que a delinquência juvenil é coisa de pobre, de quem não teve educação e formação adequadas. Não se sabe da origem social dos assassinos da dentista: consta que um dos menores envolvidos era egresso da Fundação Casa, mas o líder do grupo que vinha roubando consultórios, um rapaz de 21 anos, pilotava o Audi da mãe. A propósito, a reportagem do Fantástico de domingo (28/4) refaz o percurso da quadrilha na sequência de assaltos, informa inclusive o ano de fabricação do carro de luxo – 2003 –, mas aparentemente não se interessa em conversar com a mãe do rapaz.

A seletividade da punição

Em 20/4, o advogado Túlio Vianna escreveu artigo no Estado de S.Paulo (“Maioridade seletiva“) apontando o alvo e as consequências dessa mais recente onda de radicalização punitiva:

“O público-alvo dos projetos de redução da maioridade penal é o adolescente pobre que pratica crimes patrimoniais ou de tráfico e uso de drogas. Desses adolescentes, 62% vivem em lares com renda familiar inferior a dois salários mínimos. É esse adolescente marginalizado que a sociedade brasileira quer colocar no cárcere, já que nosso poder público em sua incompetência não cumpriu seu dever constitucional de colocá-los nas escolas.

“Resta saber se essa mesma sociedade que clama hoje pela redução da maioridade penal vai aceitar amanhã que seus filhos também sejam presos pelas brigas nas quais se envolverem na saída dos colégios; ou pelos insultos aos professores e colegas nas redes sociais; ou pelas violações de direitos autorais na internet; ou pelo uso de drogas; ou por dirigirem sem habilitação. Ou será que a proposta seria punir apenas os adolescentes pobres?”

Mais uma vez, não é preciso muito esforço para concluir que os filhos da classe média e, menos ainda, os da burguesia, embora sejam perfeitamente capazes de atos bárbaros – lembremos do índio Galdino, queimado vivo num abrigo de ônibus em Brasília – ou de irresponsabilidades que resultem em tragédias – recordemos a morte da menina atingida por um adolescente que pilotava um jet ski em Bertioga (SP) –, esses meninos bem nascidos muito dificilmente cairão nas malhas desse sistema, exatamente porque a lei não é feita para eles. E porque suas famílias podem arcar com as despesas dos bons escritórios de advocacia.

Nada disso, entretanto, altera o discurso de quem está convicto da eficácia do aumento da carga punitiva “para ricos e pobres, indistintamente”, como forma de apaziguamento social. Os fatos – e o fato de que, historicamente, apenas os pobres são punidos – são o que menos interessa.

Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, 
professora da Universidade Federal Fluminense, 
autora de Pensando contra os fatos. 
Jornalismo e cotidiano: do senso comum 
ao senso crítico (Editora Revan, 2007)