segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Caetano Veloso - O Quereres













Onde queres revólver sou coqueiro,
onde queres dinheiro sou paixão
Onde queres descanso sou desejo,
e onde sou só desejo queres não
E onde não queres nada, nada falta,
e onde voas bem alta eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta,
e ganha liberdade na amplidão

Onde queres família sou maluco,
e onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon sou Pernambuco,
e onde queres eunuco, garanhão
E onde queres o sim e o não, talvez,
onde vês eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo eu sou o irmão,
e onde queres cowboy eu sou chinês

Ah, bruta flor do querer,
ah, bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato eu sou o espírito,
e onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo,
e onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer sou o que dói,
e onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução,
e onde queres bandido eu sou o herói

Eu queria querer-te e amar o amor,
Construirmos dulcíssima prisão
E encontrar a mais justa adequação,
tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés,
e vê só que cilada o amor me armou
E te quero e não queres como sou,
não te quero e não queres como és

Onde queres comício, flipper vídeo,
e onde queres romance, rock'n roll
Onde queres a lua eu sou o sol,
onde a pura natura, o inceticídeo
E onde queres mistério eu sou a luz,
onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro,
e onde queres coqueiro eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal,
bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal,
e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total
do querer que há e do que não há em mim

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