sábado, 24 de novembro de 2007

NADA E COISA ALGUMA (Ro Druhens)

Esvaziou gavetas, rasgou cartas, destruiu lembranças. Arquivou mistérios. Afogou gemidos. Sufocou lágrimas. Algemou perdões. Desfez-se e se refez. Lembrou do vestido negro. Das sandálias altíssimas. Dos brincos que lhe faziam cócegas no pescoço. Do batom. Riscou os olhos com negros traços. Quantas mãos passaram por seu corpo. Quantas bocas promessas lhe fizeram. Quantas línguas sugaram seus orgasmos. Nada que preenchesse o vazio que era em torno dela, que era ela. Continente e conteúdo. Nada e coisa alguma. Passos trôpegos e madrugadas. Cambalhotas e piruetas. Tripas e coração. A história que esquecera secando no varal. A história que precisava ser passada a ferro. Desamassada. Engomada. Trancafiada, sem nódoas, no fundo do armário. Arrependimento e perdão. Quando fosse outono. Quem sabe. No redemoinho de folhas secas e o gosto doce de pêssego maduro. Mas era verão e suas tempestades. Cortou unhas e cabelos. Ensaiou gestos e esgares. Comeu ausência, vomitou saudade. Viu-se inseto. Sentiu-se réptil. Quis-se leoa. Revolveu a terra. Replantou um sonho. Provocou os anjos. Despertou os deuses. Exorcizou demônios. Dançou sobre os abismos. Mergulhou nos pântanos. Escalou as nuvens.

E, quando ele chegou, lhe abriu as pernas.

(Revista Malagueta - Edição #7 - 12/11/07)

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