quarta-feira, 20 de julho de 2011

Carta ao meu pai.

Primeiro quero dizer que tenho passado dias importantes. Coisas impressionantes, positivas e negativas, tem acontecido. Nunca conversamos, eu e você, sobre muitas coisas, mas estou ansioso em encontrá-lo pessoalmente para compartilhar tudo de bom e de ruim que tem acontecido na minha vida. Confesso que os últimos 10 dias foram provavelmente os mais intensos de toda a minha história.

Nesses dias tenho lutado com uma determinação nunca antes vista nestes meus 37 anos de vida. Pode parecer um pouco tarde pra isso, mas o tempo de lutar é agora. Tenho lutado por algo que é muito importante para mim e essa luta tem me transformado rapidamente. Posso dizer sem medo de errar que não sou o mesmo de dias atrás.

Mas a luta tem deixado marcas e feridas, e mortos pelo caminho. Se estou mais maduro, mais disciplinado, mais concentrado e muito mais otimista com relação à vida, também estou ferido e magoado. E magoado, talvez, da pior magoa possível, de uma magoa comigo mesmo. Preciso fazer as pazes comigo... mas essa ainda é uma longa estrada.

Hoje, passando pela mesma situação pela qual você passou 20 e tantos anos atras, minha memória me permite avaliar o fantástico esforço que você empreendeu, na época, para reduzir, na medida do possível, todo o trauma que uma separação poderia acarretar a dois menininhos de 10 e 15 anos. Hoje lhe sou grato também por isso. Você preencheu com dedicação todas as lacunas de minha infância. Carinho, pulso e sobretudo amor. Obrigado



"A lição mais valiosa que tiro (...) 
é que precisamos cuidar de quem amamos."




Obrigado também por ter feito questão de investir em minha educação, me mantendo, a duras penas, em uma das melhores escolas da cidade. Ainda hoje colho frutos disso.

Me arrependo de muitas coisas que fiz até aqui, mas principalmente do que deixei de fazer. Deveria ter me aproximado mais de vocês todos. Da minha mãe Eliana, do meu irmão e de minhas irmãs queridos e principalmente de você. Agora sinto o peso de ter saido daí da forma como saí, meio pela porta dos fundos.

Me lembro da meninas ainda muito pequenas, a casa sempre animada, muitas crianças, primos, sobrinhos, tios e tias, e eu, então com apenas 16 anos e já muito chato, fechado em meu quarto ouvindo minhas músicas e evitando justamente o convício que hoje me faz tanta falta.

Perdi uma fase importante da vida das minhas irmãs, de modo que agora não tenho nem muita intimidade para conversar com elas. Gostaria de falar e ouvir o que elas tem a dizer, pedir conselhos. Ter longas conversas com a Anadir nessa nova fase de sua vida, poder compartilhar mais de perto suas vitórias. Poder rir com a juventude da Heloísa e me deliciar com o jeito acolhedor da Fernanda. Todas herdaram o brilho da mãe. Poder dizer que as amo, todas as quatro, e muito. Dizer que estou aqui, como irmão mais velho, para o que der e vier. Não sei que opinião elas tem a meu respeito. Mas preciso que elas saibam que tenho pensado muito nelas esses dias de solidão. Estou chorando agora, mas isso tem sido bem comum nesses dias.

O que dizer do Junior então. Tenho fotos de minha infância com ele e tenho me debruçado sobre essa infância demoradamente, tentando entender essa estrada que me trouxe até essa encruzilhada. Gostaria de sentar ao lado dele agora, para lembrarmos do Pé de araçá da casa da Dona Carmem, do carrinho de controle remoto, das briguinhas bobas. Me lembro que eu, sempre com a saúde frágil, tinha inveja dele por praticar esportes, empinar papagaio, jogar pião e principalmente por lavar o carro, com direito a uma voltinha depois. Eu o admirava muito, mas a vida nos separou muito cedo. Gostaria de poder ligar pra ele e, superando a angustiante falta de assunto, compartilhar essa sua experiência de ser pai e o bem que, imagino, isso esteja fazendo para todos os três.

Nunca senti falta da minha mãe, e se disser que estou sentindo agora estarei mentindo. Desisti dela faz tempo, algum tempo depois dela ter desistido de mim. Mas não há tempo para mágoas. Prefiro acreditar em alguém que tentou ser mãe, mas não levava (ou leva?) o menor jeito pra isso.

A Eliana tem sido uma Mãe espetacular. Madrasta é uma palavra carregada de preconceito. Se minha vida tivesse sido madrasta teria sido muito melhor. Dedicação e paciência sem ter obrigação disso. Junto com meu pai, exemplo e referência de dedicação e amor à familia. Obrigado.

Como já disse coisas fantásticas tem acontecido dentro de mim numa velocidade difícil de acompanhar. Gostaria de estar com todo mundo que amo. A lição mais valiosa que tiro da Grande Tristeza é que precisamos cuidar de quem amamos, porque a indiferença tem conseqüências terríveis, cobra um preço extremamente alto... e a vida prega peças na gente.

Espero que possamos nos ver em breve. Desejo mesmo cuidar melhor de todos que amo, mais ainda vai levar um tempo até me levantar de novo. O tempo agora corre contra mim em muitos aspectos. Quero cuidar de todos mas preciso ser cuidado agora, e essa posição de carência, por ser nova, me é um pouco desconfortável.

Me despeço dizendo que te amo muito, pai, e pedindo perdão pela maneira indiferente como tenho lhe tratado durante toda minha vida, por ter relegado nossa relação a natais e aniversários. Devido a esse comportamento perdi, talvez pra sempre, alguém que era o meu ar e minha inspiração e, repito, aprendi que é preciso aproveitar urgentemente os momentos com quem amamos.




Mas não é fácil fazer as pazes com o passado. 

Do seu filho 

Marcos Daniel 

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