quarta-feira, 25 de abril de 2012

2.467


por Marcos Daniel Insaurralde

O menino chega em frente às ruínas da casa. Na rua deserta nada esta como antes e tudo é ruína. Chega até o portão-ruína e lança um olhar para dentro do terreno-ruína. Tenta lembrar, tenta entender, tenta esquecer. Ruína.

Olha para a rua-ruína, o canteiro-ruína, o ponto de táxi, ruína. Caminha até o orelhão-ruína. Detém-se a pensar nas conversas que teve ali, num tempo de alegria simples e promessas fáceis. Lembra-se de uma conversa específica e sente os olhos marejarem. Olha para o céu e encara a noite do Alvorada de novo, uma noite que lembra muito as tantas outras passadas, mas esta diferente, será que a noite envelheceu ? 

O menino-ruína segue solitário pelo caminho em ruínas, pé ante pé, palmilhando tão conhecido caminho. A noite vai com ele, relembrando com o menino aquele caminhar testemunhado por ela tantas vezes num tempo distante. Porque o menino vai sozinho agora? Vai para onde o menino sozinho? 

O menino-ruína segue pela rua dos fundos dos bombeiros, primeira e esquerda. Atravessa a avenida e quase pode ouvir a agitação do passado, carros e motos e coragem e esperança, mas tudo o que há agora é o silêncio-ruína e a noite a segui-lo. 

(...) Cada passo uma saudade. Chega enfim à rua de trás, igualmente deserta àquela hora. Será que ali também tudo é ruína? E se acaso houver sobrado algo, estaria ele, menino-ruína, levando a própria ruína também para a rua de trás?

Se sente mais só. Uma solidão pesada e palpável à ponto de o menino-ruína se perguntar se realmente deveria seguir por aquela via. Parece que todos sabiam que ele vinha e se esconderam. Medo da ruína talvez? Afunda o olhar na escuridão como que a medir o tamanho da própria solidão: é grande. Está mas só do que era mesmo antes de conhecer a rua de trás, só como nunca se sentirá nem antes de ser junto. A solidão de deixar de ser junto é com certeza infinitamente maior que a solidão de nunca ter sido junto. (...) Mas de súbito se lembra de que a noite, velha conhecida, esta lá, como a velar pelo menino-ruína que ela conhece desde as primeiras infâncias. 

(...) ele caminha até chegar em frente à casa de madeira. O mesmo muro caiado, baixo, fino e vazado, desses pré-fabricados que havia antigamente. O mesmo portão, baixo e frágil, apenas encostado, e um bico de luz que ilumina toda a varanda. De súbito o menino pensa ter visto a menina descalça, com seu short cor de laranja e camiseta listrada em branco e vermelho, a dançar na varanda com o irmão mais novo. A mãe, sopa no fogo e cigarro na boca, passa roupa sobre a mesa de madeira perto do tanque. O barulho do irmão cantando qualquer coisa em um espanhol sofrível debaixo do chuveiro rivaliza com o som que sai do rádio que toca um hit qualquer daqueles fim dos anos 90. A menina dança, um cão late e o menino-ruína pisca. Num piscar de olhos tudo se vai. Num piscar de olhos tudo se foi. Ruínas.

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