segunda-feira, 30 de abril de 2012

Meu caminho para o ateísmo



Todos os dias leio os depoimentos divulgados nas redes sociais pela ATEA. Neles me deparo com alguns questionamentos que já me fiz. E outros já me fizeram.

Sou professor. E como tal, nunca escondi minha concepção de mundo. E volta e meia sou abordado por alunos para perguntarem do tema ou tirarem dúvidas. Já tive relato de alunos que foram perseguidos e assediados no trabalho por começarem a questionar a religião. Pequenas inquisições na nossa época. E esse depoimento é em parte para esses que entre as dúvidas e as perseguições seguem se questionando.


Sou ateu instintivo desde de uns 6 ou 7 anos. Isso, em parte era influência da série “Cosmos” do Carl Sagan. A Rede Globo passava a série na TV lá pelos idos de 1985 nas madrugadas, algo como 6h00, antes do antigo telecurso segundo grau. Eu vibrava com as imagens e as palavras daquele astrônomo da Nasa. Me sentia leve imaginando um universo com bilhões de anos de idade e com uma infinidade de anos-luz de dimensão. Sentia arrepios ao ver como funcionava a evolução e como aquilo se encaixava. E como nosso cérebro funcionava. O ponto de interrogação como ponto de partida para entender o mundo. Era o pensar acima do crer.

Mas meu ateísmo era, por assim dizer, instintivo. E nos anos seguintes, sempre havia dúvidas. Ainda mais com colegas indo para a igreja aos domingos ou amigos fazendo catecismo.

Mesmo assim, por alguma razão, pensava eu, não fazia sentido acreditar em um ser superior que ficasse observando meus atos e esse ser não tomasse providências frente as injustiças do mundo.

Mas com todo instinto, havia uma dose de incerteza.

Talvez a razão primordial seja o fato que em minha casa sempre houve diferentes caminhos religiosos. Meu avô era budista. Meu pai é da umbanda. Minha mãe católica, na juventude foi da cruzada e quando trabalhou nas fábricas, mais próxima das CEBs/Pastorais, mas distante. Meus pais se casaram na igreja de São José, a igreja dos lituanos da Vila Zelina, homenageando José, operário. E me batizaram na Igreja de Nossa Senhora da Aparecida. Havia um tio que me presenteou uma coleção completa dos quadrinhos da DC Comics e da Marvel de 1979 até 1993 era mórmon. E eu tinha um tio caminhoneiro que acreditava nas estrelas, que olha para o céu e me falava de como era a visão das estrelas que ele via no interior do Brasil e que se ele pudesse, gostaria de ir para o cosmo. Na família havia ainda parentes distantes que estudavam parapsicologia e outros que haviam se tornado evangélicos e se afastado de todos.

Eu observava isso e me questionava se isso fazia sentido. Qual a razão de tantas diferenças?

Olhava a moral religiosa e via que não fazia sentido um deus que ficasse vigiando a masturbação alheia ou o sexo antes do casamento e não cuidasse dos bebês com fome, com frio, doentes. Não ajudasse.

Aos 14 ou 15 anos, descobri a concepção materialista da história e a teoria da evolução diretamente. Na época eu andava de skate e tinha o cabelo verde. Mas eu já tinha uma noção clara de que eramos produtos da história, seja natural, através da evolução, seja social, através da nossa ação consciente no mundo, através do trabalho de dominação da natureza.

Quando li pela primeira vez a frase de Marx de que “o homem faz a religião, a religião não faz o homem.”, ela me fez um profundo sentido. É o que eu podia ver em toda mitologia, em todas as concepções animistas de mundo e particularmente na tradição religiosa judaíco-crista-islâmica. Em geral cita-se apenas a passagem “A religião opio do povo”. Mas a frase é muito maior do que essa citação: 

“A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo. A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem as ilusões a respeito da sua condição é o apelo para abandonarem uma condição que precisa de ilusões. A crítica da religião é, pois, o germe da crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola. A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem os suporte sem fantasias ou consolo, mas para que lance fora os grilhões e a flor viva brote. A crítica da religião liberta o homem da ilusão, de modo que pense, atue e configure a sua realidade como homem que perdeu as ilusões e reconquistou a razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo e, assim, em volta do seu verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que gira em volta do homem enquanto ele não circula em tomo de si mesmo.”
 (Introdução a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel).

Isso me marcou profundamente. Principalmente pois reconhecia que a religião na história teve um papel social. O de dar conforto num mundo sem conforto.

A ideia de outras vidas, de outros mundos, de outras oportunidades em épocas passadas, em parte, era uma vingança aos senhores da vida material. Era uma maldição a aqueles que mandavam na vida e na morte, imaginar que aqueles que eram sacrificados e martirizados acreditavam numa outra vida, ou num céu muito melhor que a vida na terra.

Mesmo na forma mais elementar, me parece, que fazia sentido as tribos semitas que vagavam pela Mesopotâmia criarem uma cosmogênese como a explicada no relato do “Gênesis”. Imagine a 2500 anos antes de nossa era, uma criança perguntando ao seu pai: “de onde viemos?”, “como surge o dia e a noite?”… A mitologia judaica era uma evolução significativa frente as outras religiões babilônicas, egípcias e mesmo persa. Ainda que sejamos obrigados a lembrar que foram os masdeístas (zoroastrismo) persas, que libertaram os judeus do cativeiro babilônico e permitiram a liberdade religiosa no Império Persa. A concepção judaico-cristão-islâmica de deus criador é evidentemente uma criação conceitual significativa: um deus acima de todos os demais e com superpoderes inquestionavelmente superiores a todos os demais deuses: onipresença, onisciência, onipotência e onibenevolência. Poder estar em todos os lugares, poder saber tudo o que se passa, poder fazer o que quiser e ainda ter a capacidade, se quiser, de ser bom de modo ilimitado… São atributos de grandes proporções e botam medo em todos os praticantes dos onanismo.

Revendo Carl Sagan, já mais velho, percebi que o universo sendo fruto do caos da matéria em eterno movimento, me parecia muito mais belo que qualquer deus a minha imagem e semelhança. O universo não foi feito para nós e nós somos resultado de um mero acaso. E temos de viver com isso, aproveitar esse acidente que foi o desenvolvimento da humanidade e da consciência na humanidade para superar todas as divisões que possam existir entre nós, sejam elas religiosas, sejam elas sociais.

Isso não significa que eu seja contra a religião. A fé de cada um pertence ao coração de cada indivíduo. (...) Você tem direito a ter sua fé. E ela é de caráter privado.  

Isso não significa que eu seja contra a religião. A fé de cada um pertence ao coração de cada indivíduo. Por isso, na sala de aula sempre digo: você tem direito a ter sua fé. E ela é de caráter privado. E é um direito de cada um tê-la, conquista que no Brasil, é preciso reconhecer, foi obra da atividade do Jorge Amado, quando foi deputado pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) na década de 1940, um mérito que junto com a obra Capitães de Areia não pode ser esquecido, apesar de tanta sujeira e crimes desse senhor, feitos à serviço do stalinismo. Mas suas relações com os terreiros baianos, sem dúvida obrigaram ele a inscrever pela primeira vez na lei brasileira o direito democrático de liberdade religiosa.

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Não que eu concorde, mas achei o texto bem interessante.

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