terça-feira, 3 de julho de 2012

Sobre o amor

por Cristiana Guerra


"Quando nasce um amor novo, é difícil resistir à tentação de alimentá-lo só com a presença. Mas é preciso deixar o amor respirar. Se você colocar uma flor bem bonita dentro de uma redoma, com medo que o vento e o tempo levem sua beleza, manterá por muito pouco tempo o que dela é bonito. 

O que eu aprendi sobre o amor, filho, é que ele é feito de faltas e presenças. E que nenhuma das duas pode faltar. Aprendi que o amor é feito de liberdade. É como ter, todos os dias, muitas outras opções. E ainda assim fazer a mesma livre escolha. 

Dessas pequenas vitórias se faz a alegria de amar e ser amado. Descobrir no olhar do outro que você foi escolhido de novo. E de novo, mais uma vez.

Também aprendi que o amor interrompido em seu auge permanece bonito para sempre. O que pode ser muito doído ou pode ser um presente. Depende de como a gente quer guardar. Depende de como a gente quer seguir.

O amor é feito de falta, filho. Mas aí mora um perigo: adorar mais a falta que o próprio amor. Posso cometer esse erro diante de quem amo ou diante da própria falta. E aí quem passa a faltar sou eu mesma.



O amor é feito de falta, mas não sobrevive sem a presença. 
O amor é feito de hoje.




Por isso, ao ver a ida do seu pai, meu coração deu um nó. Como continuar minha caminhada, como não olhar para trás, se vinha de lá a nova presença, o novo amor?

Você é feito do amor de ontem, cresce amor de hoje e vai ser amor de amanhã. Você me trouxe a alegria de continuar amando o seu pai. Aquele que conheci, com quem vivi cada hoje com intensidade e delicadeza. Aquele por quem lutei, com quem briguei. Aquele que me transformou e que se deixou transformar por meu amor. 

Você e ele, juntos, me trouxeram o milagre de continuar amando a mim mesma. 

A falta do seu pai doeu ontem e dói ainda hoje. Mas não é a mesma dor. Com esse amor, tento transformar a dor de hoje em uma dor diferente amanhã. 

O que aprendi sobre o amor é que ele deve estar sempre distraído. Mas quando falta o objeto do amor é o contrário: melhor não se distrair nunca.

O que aprendi sobre o amor - e isso aprendi sobre o amor a mim mesma - é que ele exige de mim, todos os dias, um esforço. Um exercício diário do qual não posso abrir mão. 

É como estar num mar profundo, sem barco ou bóia. Não posso simplesmente boiar. Posso relaxar um pouco, mas logo retomo o nado. Não posso boiar, não posso, não posso. A onda pode me levar."
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Cristiana Guerra é blogueira, escritora, colunista, publicitária, mãe, amiga. Autora de palavras arrebatadoras no sensível blog Para Francisco, a mineira de 38 anos experimentou precocemente e em intervalos de poucos anos a perda da mãe, do pai e do marido. A viuvez veio antes de seu filho chegar. Cristiana estava grávida de sete meses. Da dor e do amor, nasceu Francisco. Como também nasceram os blogs que a projetaram nacionalmente. Mais recentemente, deu à luz ao belíssimo livro Para Francisco.

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