quarta-feira, 7 de novembro de 2012

E se ele não tem grana?


Por que muitas mulheres ainda hesitam em se juntar a homens sem dinheiro ?

Ponha-se no lugar da moça que eu conheço. Ela tem trinta e oito anos, gostaria de casar e ter filhos, mas o homem por quem está apaixonada não tem onde cair morto. É um sujeito culto, inteligente, idealista, sem a menor vocação para ganhar dinheiro. Mora num apartamento minúsculo e parece feliz em andar de ônibus e comer fora em lugares baratos, apesar de estar chegando aos 40 anos. A minha amiga não. 

O pai dela foi um provedor dedicado e um marido amoroso, que criou as filhas com desvelo, para viver e casar bem. Ela admite que, no fundo, gostaria de encontrar um homem prático e bem sucedido como o pai para começar sua própria família, mas, ao mesmo tempo, sente que ama o professor de olhos tristes. Se eles vierem a casar, está claro que viverão do salário dela, que é bom. Ela hesita. Diante da possibilidade de se tornar a provedora da casa, a primeira na história da sua família, ela morre de medo. Não era bem assim que começava a história do Príncipe Encantado. 

Eu imagino que nos próximos anos um número cada vez maior de mulheres vá enfrentar o mesmo dilema.

Elas trabalham duro, acabam ganhando bem e, lá adiante, quando a vida permite uma pausa para pensar em família & casamento, descobrem que nem sempre as circunstâncias a colocam diante de caras com a mesma história de sucesso econômico. O passo lógico seria abraçar a situação como ela se apresenta, fazer o que os homens fizeram por séculos, e ainda fazem, com absoluta naturalidade – tomar pra si a responsabilidade econômica pela pessoa que ama e pela família que vier a resultar dessa união.  

Mas, nessa hora, algo emperra na cabeça de algumas mulheres, como emperrou na cabeça da minha amiga. A inversão de papéis não lhes parece natural, e muito menos promissora. Elas puxam o freio de mão, ou pulam fora do relacionamento. Preferem o risco de ficar sozinhas a converter-se, voluntariamente, na cabeça econômica de um casal. 

Lembro de ter lido, tempos atrás, uma entrevista com jovens executivas que ilustra de forma extrema essa atitude. Todas elas, diante da pergunta sobre a possibilidade de se juntar a um homem com menos dinheiro, negaceavam. Uma delas dizia, com todas as letras, que não aceitaria um sujeito que houvesse conseguido menos do que ela na vida. A única medida de sucesso que ela parecia perceber era dinheiro, patrimônio, renda. Se o sujeito tivesse acumulado uma cultura imensa, se carregasse uma história de vida extraordinária, se fosse feliz, intenso, engraçado, brilhante ou sensual, nada disso parecia contar. Fiquei com a impressão de que a jovem executiva cogitava para si mesma uma fusão comercial, não uma parceria afetiva. Talvez antes de envolver-se com alguém ela requisitasse os serviços de uma empresa de consultoria... 

Ao me perguntar o que há por trás dessa atitude, eu percebo algumas coisas, nem todas elas frívolas. 

Segurança econômica talvez seja a principal. Quem já passou necessidade sabe que a constante falta de grana pode provocar situações terríveis no interior dos casais e das famílias. Dinheiro traz conforto, tranquilidade, a possibilidade de fazer coisas gostosas e oferecer aos filhos horizontes que os pais muitas vezes não tiveram. Por isso tudo, é bom ter em casa alguém com capacidade e disposição para ganhar dinheiro - mas por que essa pessoa precisa, necessariamente, ser o homem? 

Ao contrário do que previam alguns evolucionistas, a realidade tem demonstrando que as mulheres são perfeitamente capazes de prover o sustento da família. Segundo o IBGE apurou no censo de 2010, no Brasil 37% das casas brasileiras são mantidas exclusivamente por mulheres – e, naquelas em que vive um casal, em 46% dos casos são elas que ganham mais. Está claro, portanto, que as mulheres podem perfeitamente assumir a posição de mantenedoras principais. A de parceiras e co-responsáveis pelas despesas da casa elas assumiram faz tempo, junto com todas as tarefas domésticas que ainda sobram para elas.

Minha amiga, aquela do começo desta coluna, sabe que é capaz de ganhar dinheiro pelos dois, mas teme que o homem de quem ela gosta não seja bom marido ou bom exemplo como pai. O pai dela, afinal, era protetor, cuidava de tudo, criou em torno dela, das irmãs e da mãe uma rede de conforto e segurança econômica que o homem que ela ama, claramente, não é capaz de prover. Eu entendo o que ela sente, mas acho que talvez esteja confundindo coisas. Talvez esteja misturando a capacidade de oferecer conforto material com a capacidade de aglutinar uma família feliz.

O homem que não sabe ganhar dinheiro, mas tem seu trabalho e seus valores, pode ser o melhor marido e o melhor pai do mundo, assim como, através dos séculos, muitas da melhores mães e companheiras do mundo nunca ganharam um tostão furado. Um homem sem dinheiro pode ser amoroso, generoso, gentil com as pessoas e cuidadoso com as coisas. Pode ser ativo, espirituoso, cheio de vida, capaz de boas atitudes e bons sentimentos. Se não for vagabundo ou ressentido, pode ser um ótimo exemplo para os filhos – exemplo de que o dinheiro e o sucesso material não são a coisa mais importante da vida, exemplo de que há outros valores além dos que o dinheiro é capaz de comprar.

Talvez não haja muitas mulheres dispostas a bancar um homem desses, porém. A maioria talvez prefira a relação com um tipo convencional, com mais jeito de provedor. Esse negócio de ser o chefe econômico da casa, afinal, não é moleza. O estresse que vem com a posição é enorme, dura décadas, e no final rouba uns 10 anos de vida de quem o abraça. É um preço que os homens vêm pagando há muitas gerações. Eles escolhem a mulher com base apenas nos seus sentimentos e desejos, sabendo que terão de trabalhar duro, provavelmente pelo resto da vida, para cuidar da família que fizerem com ela. Não é uma opção fácil, como a minha amiga está percebendo, mas tem suas gratificações. Exige coragem, porém. No caso das mulheres, a coragem adicional de desafiar convenções e de romper com os preceitos da própria cabeça. 

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Ivan Martins
é editor executivo
da Revista Época,
onde escreve às
quartas-feiras.

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