Pedi um amor e ele me deu um bolo mofado. “Eu pedi amor”, disse.
- Isso é amor.
- Mas não vai me fazer mal?
- Talvez.
Olhei e novo e percebi uma larvinha de mosca saindo da cobertura.
- Vai querer ou não? – Ele olhava a larva também.
- Não sei. – A larvinha agora afundava cada vez mais no bolo.
- Eu não vou ficar parado o dia todo aqui, sabe.
Lembrei que não sabia cozinhar e levei o bolo para a casa. Primeiro tentei tirar tudo que se movia na cobertura, mas era impossível . Me contentei em raspar o mofo, fechar os olhos e engolir uma garfada.
Vomitei.
Dormi com o estômago roncando e acordei com dor de barriga dos infernos. Não saí de casa nos próximos três dias: sem amor, não tinha vontade de tomar banho nem de escovar os cabelos. Não queria olhar o céu e nem os olhos das pessoas. No quinto dia sem amor, não quis abrir as pálpebras muito menos as janelas da casa.
Prestes a perder as forças, olhei para a mesa e resolvi tentar de novo. O estômago reclamou, mas não devolveu. O intestino resolveu não opinar. Fui dormir indigesta e ao mesmo tempo aliviada. Pela manhã, as maquiagens do banheiro voltaram a fazer sentido. As roupas no chão pediram para serem penduradas. A maçaneta da porta pedia para ser girada e eu obedeci.
A cada passo, sentia o estômago revirar, mas também sentia que estava viva. Segui na rua disfarçando uns arrotos enquanto olhava vitrines.
À noite, resolvi encarar o bolo de novo.
Ele não pareceu tão ruim quanto no dia anterior. Na verdade, olhando de lado nem dava para ver a parte feia. Segui comento o bolo, segui com o estômago revirado e mais importante: segui com vontade de entrar no ônibus e pagar minhas contas.
Até que o bolo acabou.
Preocupada, fui até ele pedir mais amor. O bolo que ele me entregou estava coberto de moscas.
- Está fedendo demais. – comentei.
- É o que eu tenho.
Não consegui colocar sobre a mesa da sala, já que atraía mais moscas. Botei dentro do forno e cortei uma fatia: o cheiro era insuportável. Tampei o nariz aproximei o garfo da boca, tentando não mastigar as moscas mortas. Sabendo que não poderia ficar sem amor e nem me livrar de todos os insetos, engoli. O estômago não roncou nem a garganta contraiu: já estavam habituados.
Quando o amor acabou, ele me entregou um prato fundo.
- Mas isso é vômito!
- Eu chamo de amor.
Entendi que era bolo vomitado e resolvi guardar na geladeira. No dia seguinte provei uma colherada antes de ir trabalhar, e, para a minha surpresa, eu já não sentia mais gosto de nada. Tomei outra
colherada à noite, pra garantir que iria ter vontade de tomar banho e sair com meus amigos.
No dia seguinte tive um pouco de febre, mas segui dando umas colheradas.
Dois dias depois, a cabeça doeu.
A febre voltou.
A garganta inchou.
Sem conseguir engolir o amor, fechei as cortinas e esperei a morte bater. Quando ouvi o som da campainha, suspirei aliviada.
Mas não era ela
.
Não era alguém que eu conhecesse. Tinha cabelos encaracolados e trazia um prato com uma espécie de massa branca. Leve, limpa, tinha cheiro de primavera.
- Isso não é amor. - Eu disse.
- É amor, sim. - Parecia surpreso.
- Não, não é. - Eu ri.
Os olhos dele encheram de lágrimas. Antes que eu pudesse mudar de ideia, levou a torta de creme embora.
Talvez eu deva aprender a cozinhar sozinha.
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(texto escrito por Natália Nodari e publicado originalmente na página O SEGUNDO CU.
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