quinta-feira, 31 de maio de 2012

Quantos !?



- Como você se sente?
- Como aquele que despertou pela manhã e não sabe se estará morto à tarde.
- Mas esta é a situação de todos os homens.
- Sim, mas quantos deles o sentem?
necilda de souza

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Loucuras trabalhistas

O recco pergunta ao eco
qual recco que tem mais eco;
o eco responde ao recco
que é o recco do recco-recco…
adaptado de Osvaldo Reis

50 receitas








Eu respiro tentando
Encher os pulmões de vida
Mas ainda é dificil
Deixar qualquer luz entrar...


Ainda sinto por dentro
Toda dôr dessa ferida
Mas o pior é pensar
Que isso um dia
Vai cicatrizar...


(...)
Eu já ouvi 50 receitas
Prá te esquecer
Que só me lembram
Que nada vai resolver
Porque tudo
Tudo me traz você
E eu já não tenho
Prá onde correr...
leoni

terça-feira, 29 de maio de 2012

Ocupação patética, reação tenebrosa


















"(...) Como se viu, tudo desandou. Absolutamente tudo, 
o que se nota pela declaração do ministro-candidato-a-prefeito 
(algo como: bater em viciado pode, em estudante, não) 
e do governador (vamos dar aula de democracia para esses safadinhos), 
passando pela atitude da própria polícia 
(tão aplaudida como o caveirão do Bope que arrebenta favelas), 
de cinegrafistas (ávidos por flagrar os “marginais” de camiseta GAP) 
e de muitos, mas muitos mesmo, cidadãos que só esperavam 
o ataque aéreo dos japoneses em 
Pearl Harbor para, em nome da legalidade, 
arremessar suas bombas atômicas sobre Hiroshima.

O episódio, em si isolado, é sintomático em vários aspectos. 
Primeiro porque mostra que, 
como outros temas-tabus (questão agrária, aborto…), 
a discussão sobre a rebeldia estudantil é hoje um convite 
para o enterro do bom senso. 
O episódio foi, em todos os seus atos, uma demonstração 
do que o filósofo e professor da USP Vladimir Safatle 
chama de pensamento binário do debate nacional
 – segundo o qual a mente humana, 
como computadores pré-programados, 
só suporta a composição “zero” ou “um”. 

Ou seja: estamos condicionados a um debate que só serve para dividir 
os argumentos em “a favor” ou “contra”, “aliado” ou “inimigo”.

Na íntegra AQUI

Não me alcanço


















‎(...) nem entendo aquilo que entendo,
pois estou infinitamente maior do que eu mesma, 
e não me alcanço.
Clarice Lispector

segunda-feira, 28 de maio de 2012

domingo, 27 de maio de 2012

EROS E PSIQUE



por Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.


Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.


A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.


Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.


Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.


E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,


E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.


____________________________


Eros, o deus grego do amor e do desejo, conhecido na mitologia romana como Cupido, é filho de Afrodite e de um dos prováveis deuses: Ares, ou Hermes, ou Zeus. Sendo o mais jovem dos deuses, Eros é geralmente representado como uma criança alada, com arco e flecha, pronto a disparar sobre o coração de deuses e de mortais, suscitando-lhes o desejo e o amor. As flechas eram de dois tipos: as douradas, de penas de pomba, que suscitavam o amor, e as flechas de chumbo, com penas de coruja, que causavam a indiferença. Frequentemente com os olhos vendados para simbolizar a cegueira do amor, Eros tornava-se perigoso para os demais, pois disparava setas em todas as direcções, chegando mesmo a atingir a própria mãe, que o castigava retirando-lhe as asas e o arco.

Uma das lendas mais conhecidas do deus do Amor é a aventura amorosa com Psique, nome que em grego significa alma.

Psique era uma princesa de uma beleza tão exultante que fazia ciúmes à própria Afrodite. Esta deusa deu instruções ao filho, Eros, para punir a audácia da princesa, fazendo com que esta se apaixonasse pelo homem mais feio do mundo, e Eros obedeceu. O pai da jovem, verificando que Psique era a única das suas três filhas que ainda não tinha casado, resolveu consultar o oráculo. Este revelou-lhe que deveria preparar Psique como para uma cerimónia nupcial e, em seguida, abandoná-la numa montanha junto de um rochedo, onde um monstro, seu futuro marido, a iria buscar. Assim se passou e, enquanto aguardava resignada a sua triste sorte, Psique foi recolhida pelos braços de Zéfiro, que a levou para um lindo palácio. Psique estava quase a adormecer, quando um ser misterioso apareceu na escuridão do seu quarto e lhe disse que era o marido a quem ela estava destinada. Era o belo Eros que desempenhava o papel de marido, tentando desta forma executar o castigo que Afrodite pedira, mas, ao ver Psique, apaixonou-se imediatamente por ela. Antes de desaparecer, pouco antes do amanhecer, Eros obrigou Psique a jurar que nunca tentaria ver o seu rosto.

Com o passar do tempo, Psique apaixonou-se pelo ser misterioso até que um dia, ao visitar as irmãs, invejosas da sua felicidade, foi instigada a ver o rosto do seu marido. Então, curiosa, Psique resolveu seguir o conselho das irmãs. Assim, enquanto o marido estava a dormir silenciosamente, Psique acendeu uma vela e, em vez do monstro, encontrou o belíssimo Eros. Aproximando-se para o ver melhor, deixou cair uma gota de cera no ombro do deus. Eros acordou e, furioso, reprimiu-a pela sua curiosidade e pela quebra da promessa que lhe tinha feito e retirou-se. Ao mesmo tempo, desapareceu o palácio e Psique encontrou-se, de novo, na montanha, onde, desgostosa, tentou suicidar-se, atirando-se a um rio, mas as águas levaram-na de volta às margens. A partir de então, vagueou pelo mundo à procura do seu amor, e, perseguida pela ira de Afrodite, foi sujeita a muitos perigos que conseguiu vencer devido a uma misteriosa protecção. Finalmente, Eros, impressionado pelo arrependimento de Psique e pela fidelidade do seu amor, implorou a Zeus que deixasse Psique juntar-se a ele. Zeus concedeu a imortalidade a Psique, Afrodite esqueceu os seus ciúmes e o casamento foi celebrado, no Olimpo, com grandes festejos.

Nos vasos gregos antigos, Psique é representada com corpo de pássaro e cabeça humana ou como uma borboleta. Uma obra de arte que popularizou o mito de Eros e Psique é a obra escultórica de António Canova (1757-1822), na qual "Psique é reanimada pelo beijo de Eros", e que se encontra no Louvre, em Paris (França).



O Gosto Das Pitangas





Acabei de ler o texto 
O GOSTO DAS PITANGAS, 
da escritora Elise Machado.





Que prosa adorável. Conciliando vernáculos antigos como "soslaio" com neologismos como "unhas recém manicuradas", a autora alterna o clima, ora num cenário oitentista - alegre e pueril, ora num mundo tecnológico e um tanto solitário. O texto capta e transmite bem o clima feicebokiano moderno, com suas angústias e provocações. A personagem-narradora tem suas memórias da infãncia reavivadas após receber o convite de amizade na rede social de um amigo que sumiu por 20 anos. Não consegui deixar de observar que estamos vivendo (somos) a primeira geração que pode se dar ao luxo desses reencontros. O estilo literário da autora propicia uma leitura bastante fluida. Gostei muito. 

http://www.elisemachado.com.br/

Vertigem









O que eu queria 
era dizer baixinho 
para cada um de vocês, 
nestes tempos de desconfiança: 
todo o resto é uma vertigem. 
No final das contas, 
entre tanta internet 
e tanta tecnologia, 
o que permanece é gente: 
de coração e carne. 
De erros e acertos. 
As mesmas pessoas de sempre: 
com a mesma vontade 
de acertar e de amar, 
desde o início dos tempos. 
Precisamos confiar mais nelas. 
E mais em nós.
Gisela Campos

Publicado originalmente
na Revista Época

Eu vejo você


por Henrique Erebus, no blog Sapiens Cordis

Infelizmente vivemos tempos de desesperada pressa. As pessoas mal conseguem se ouvir, quanto mais se ver. E não estou falando da função biológica, escutar ou enxergar. Refiro-me à ação integral e total de prestar atenção no outro. Saber que alguém está próximo a nós, ou conosco, é uma coisa. Percebê-lo totalmente, como Ser, e reagir precisamente a este Ser, é outra coisa. E mesmo isto exige algo de uma "reflexão filosófica existencial" muito profunda: quem esta pessoa é de verdade? Quem eu sou de verdade?

A maioria de nós, seres humanos, não interage com os outros, com o que realmente são. Reage apenas, e tão somente à parcela de sua própria ignorância, ilusões projetadas indistinta e indiscriminadamente sobre tudo e todos...

O Milagre















How can love survive 

in such a graceless age ?




- O amor é o grande milagre -

sábado, 26 de maio de 2012

Sandália amarela

por Marcos Daniel

Acordou atrasada, como sempre, mas dessa vez era diferente. Diferente porque era um dia de não-trabalhar. Mas se era um dia de não-trabalhar, estava atrasada pra que a menina ? Atrasada pra não-trabalhar, evidente. Estar atrasada para não-trabalhar é, na lógica da menina, muito mais grave do que estar atrasada para trabalhar. Se Vanessa se abalava tanto com o cotidiano atraso para o tedioso trabalho, a perspectiva de perder um minuto que fosse de um dia de não-trabalhar era especialmente aflitiva, como alguém que perde os trailers no cinema.

(...) Com o nariz quase encostado na parede de seu minúsculo banheiro, Vanessa ouvia como que ao longe o ruído de sua urina batendo na água do vaso sanitário, enquanto fixava o olhar em uma das fileiras de azulejos branco-encardido-lascado que se estendia até sumir atrás da porta cor de bosta. Porque alguém pinta a porta do banheiro cor de bosta, pensava ela pela enésima vez enquanto escovava os dentes. Certa vez um namorado disse a ela que essas tintas cor de bosta eram mais baratas do que o branco-dalas ou o branco-gelo. Ele tinha hálito de bosta e o pau só ficava a meia-bomba... Marcelo talvez, não lembrava direito.

Avisou a memória para se lembrar mais tarde para comprar absorventes. Óleo, sabão em pó e um rodo novo. Repetiu os itens para fixar na memória. Absorvente, sabão em pó, óleo e um rodo novo. Melhor que fosse azeite. Se lembrou também de lembrar mais tarde de não usar os itens de limpeza hoje, dia de não-trabalhar. Não lhe parecia justo.

(...) Olhou debaixo da cama, de volta no banheiro, na cozinha, no guarda roupas e nada da sandália amarela. Tentou se lembrar da ultima vez que a viu com vida. Não lembrava. O seu dia de não-trabalho estava correndo rapidamente e nem sequer havia tomado café ainda. Sentou-se na cama e de súbito lembrou-se do pau meia-bomba do Marcelo. Riu. Deitou-se na cama e começou a gargalhar, repetindo “meia-bomba, meia bomba, meia bomba.” Achou grande graça de sua graça. Fechou os olhos e viu perfeitamente a sandália amarela enfiada atrás da floreira do lado de fora da porta do apartamento. Estava lá desde quando voltou pra casa bêbada caminhando calmamente alheia à chuva que caia copiosamente. Quanto tempo faz isso ? Não lembrava.

Sandália amarela, vestido amarelo e tiara amarela, pediu um suco de morango com leite e um pão de batatas com manteiga na chapa. Tinha fome pela manhã. Lembrou de seu pai com saudade. Absorvente, sabão em pó, azeite, um rodo novo e um presente pra seu irmão. Por onde andará Marcelo ? 

A garçonete veio com o pedido e flagrou Vanessa no meio desse sorriso, momento em que Vanessa teve a suprema revelação de que, com certeza, não existia no mundo ser mais vesgo do que aquela gorda. O perigo de explodir em uma constrangedora gargalhada era eminente, numa fração de segundos Vanessa abriu sua bolsa e começou a revirar o conteúdo enquanto respirava fundo e repetia mentalmente: "meia-bomba, meia-bomba, meia-bomba." A garçonete perguntou educada e mecanicamente: Mais alguma coisa moça. Aí fudeu. Vanessa soltou um "meia-bomba" meio contido e explodiu numa sonora gargalhada que se estendeu até sentar-se no banco de trás do táxi amarelo.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Eu não acho a pessoa.

por Eliane Brum

"(...) Temos duas vidas: uma visível, 
assumida, às claras; e outra secreta. 
Uma “evidente”, “cheia de verdades convencionais 
e de mentiras convencionais”, 
exatamente igual a de todos; 
e outra que transcorre nos vãos."

(...) Fui na hora tomada por uma golfada de felicidade. Ela não estava aflita porque perdera o informe do imposto de renda enviado pelo banco, ou seus brincos de pérola, ou um vinil dos Secos & Molhados. Não. B perdera a pessoa.

“Hum”, fiz eu, em boa performance psicanalítica. B explicou-me então que não sabia quando perdera a pessoa, mas podia localizar o momento exato em que descobrira que a tinha perdido. Ela tomava um chocolate quente e tentava ler as notícias do jornal. (...) Neste ponto da leitura, B havia corrido ao Twitter para entrar na campanha “Veta Dilma. Veta Tudo”. Engatou alguns diálogos de 140 caracteres com desconhecidos conhecidos, deu alguns cliques e, quando voltou a tomar um gole de chocolate, percebeu que o leite esfriara. Foi nesse instante, me garantiu ela, que descobriu que tinha perdido a pessoa.

B tinha acabado de ler um conto e um romance russos. O famoso “A dama do cachorrinho”, de Tchekhov, e o “Oblómov”, de Ivan Gontcharov. A combinação dos dois fez com que uma lâmpada se acendesse dentro de B – e, de súbito, ela descobriu o que não estava mais lá. A pessoa.

Em “A Dama do Cachorrinho”, Tchekhov nos mostra, através de uma história de amor, que temos duas vidas: uma visível, assumida, às claras; e outra secreta. Uma “evidente”, “cheia de verdades convencionais e de mentiras convencionais”, exatamente igual a de todos; e outra que transcorre nos vãos.

No caso do personagem de Tchekhov, tudo o que era para ele indispensável, relevante e sincero, tudo o que não era engano, se passava no escuro de si. E tudo o que era “sua mentira, sua casca, na qual ele se escondia para encobrir a verdade”, como seu trabalho no banco, as discussões no clube, os compromissos sociais com a esposa, tudo isso era visto e compreendido como se fosse ele – mas era apenas aquilo que o ocultava.

Neste ponto, B começou a chorar. “Não vale a pena ter uma vida em que o mais importante de mim precise respirar nas sombras”, dizia. “Meus eus devem coincidir.” Havia uma nota tão rascante em seu choro, como uma porta enferrujada por anos que começa a se abrir à força.“Você é tudo isso”, eu disse, numa tentativa de consolo. “Inclusive essa máscara social que você usa para que o mundo não te mastigue.”

B apenas chorou mais. “Você não está entendendo. Eu não estou recusando o contraditório de mim. Eu estou recusando essa máscara que me torna alguém plano e palatável. Vale a pena viver escondendo as verdades que mais me importam?” B agora tinha raiva, e apontava essa raiva para mim. Ela continuou: “Se o mundo quiser me mastigar, que mastigue. Mastigará carne, e não um cupcake.” Desta vez, eu apenas disse: “Estou indo praí”.

Encontrei B estatelada no sofá, olhando para o teto. O rosto inchado de choro, mas já com o peito subindo e descendocom regularidade. Eu não havia lido o “Oblómov”, porque nunca encontrei uma tradução para o português que me animasse. Mas sabia que era uma sátira sobre a imobilidade da aristocracia russa em meados do século XIX, diante dos acontecimentos que precederam e anunciaram a revolução de 1917.

Não para B.

Durante mais ou menos 150 páginas de romance, Oblómov não sai do seu sofá. Incapaz de agir e de escolher, o personagem se imobiliza. Como B, no momento em que me conta sobre ele. Oblómov recebe visitas de pessoas que representam diferentes papéis no espectro da sociedade da época. E, quando essas pessoas lhe contam do mundo, lhe contam do mundo por suas ações e pelas ações de outros, Oblómov só faz pensar: “Cadê a pessoa?”.

Pensei que B estava adivinhando sentidos no romance que só faziam sentido em seu estado delirante. Mas, dois dias depois do enigmático telefonema de B, eu me distraía com um livro bastante delicioso chamado “Os possessos – aventuras com os livros russos e seus leitores” (Leya), quando descobri que a autora, Elif Batuman, tinha lido “Oblómov” com um olhar muito semelhante ao de B.
Em seu livro, Batuman, uma americana de origem turca que hoje vive em Istambul, entrelaça os escritores russos e seus protagonistas com os personagens contemporâneos do mundo acadêmico que inventam sentidos para suas vidas a partir da interpretação de suas obras. E o faz com humor, sensibilidade e sarcasmo. Sorri ao pensar que B e eu também cometíamos um pequeno enredo desatinado, às voltas com os russos que nos uniram por acaso depois de tanto tempo.

Batuman afirma, em um dos ensaios do livro: “Vejo agora que o problema da pessoa era a chave da preguiça de Oblómov. Ele é tão avesso a se reduzir a soma das ações que decide sistematicamente não agir– e desse modo revelar mais inteiramente sua verdadeira pessoa, e deleitar-se nela, não adulterado”. Publicado em 1859, “Oblómov” quase coincide, no tempo, com a obra-maravilha do americanoHerman Melville: “Bartleby, o escriturário”, livro que faz parte dos meus amores mais profundos. Como Oblómov, mas diferente dele, Bartleby a tudo apenas dizia: “Prefiro não fazer”.

Assim é descrita uma das visitas recebidas por Oblómov em seu já mítico sofá. “Um antigo colega do serviço público conta a Oblómov da sua recente promoção a chefe de seção, seus novos privilégios e responsabilidades. ‘Com o tempo ele será um figurão e conseguirá um alto posto’, Oblómov pondera. ‘Isso é o que a gente chama de uma carreira! Mas como requer pouco da pessoa: sua mente, seu desejo, suas emoções não são necessárias.’ Esticando os membros, Oblómov sente-se orgulhoso por não ter relatórios a preencher e pelo fato de ali no sofá ‘haver amplo espaço tanto para as suas emoções como para a sua imaginação’. ”

Um século e meio mais tarde, B, no sofá da sala de seu apartamento de classe média paulistana, encarna Oblómov à sua própria maneira: “Cadê a pessoa?”. Ou: “Perdi a pessoa!”. B conta-me que se sente exposta, toda virada pra fora, uma mulher em seu avesso. Nos últimos anos ela se tornara uma personagem das redes sociais. E , desde que nos reencontramos, tenta me convencer a entrar no Facebook. B gosta de viver em rede e está longe de ser uma solitária que achou um jeito de existir na internet. Apenas que ela pensara ter se feito presente ali mais do que em qualquer outra geografia. Mas, de repente, B não mais se reconhece no personagem que criou. “Virei uma prisioneira”, ela diz. “Do quê?”, pergunto eu, a essa altura já bastante perturbada. “Dessa persona pública que me tornei. Todo mundo me conhece, e eu me desconheço.”

B descobrira que era uma pessoa – sem pessoa. “Estou reduzida a ações, a verbos. Virei um noticiário, eu, que nunca acreditei em fatos. Mesmo quando analiso, quando infiro, quando relaciono... são ações. É um eco, só um eco. Não sei mais onde está a voz que o gerou.” Diante dela, eu tentava descobrir a pessoa em mim que poderia resgatar a pessoa de B. Aquilo que me levara a deixar a minha casa no meio de uma manhã de trabalho para ajudá-la a procurar não o passaporte ou o título de eleitor, mas a pessoa que havia se desgarrado dela. Encolhi-me na poltrona, antes de arriscar. “Ninguém te conhece. E você não conhece ninguém”, disse. E minha voz saiu mais aguda do que eu planejara. “São poucos os que podem nos conhecer, o resto é o bando que se alimenta e se protege mutuamente, ferindo quem for preciso para não ter sua posição ameaçada. Você quer ofertar seu corpo verdadeiro para que o canibalizem?”

Eu também estava confusa. “Há uma escuridão, e eu sou essa escuridão”,repetia B. “E lá, em algum ponto desse buraco negro, há uma pessoa que grita, mas ela está presa na nuvem. A conexão se perdeu, eu me perdi.” Percebi que B, minha amiga mais presente, no presente, a mais pública, a mais conectada sentia-se incorpórea. Sentia-se uma pessoa sem pessoa – e também sem corpo.
Quando juntas estudávamos a obra de Isaac Bábel, eu e B havíamos chorado ao tomarmos conhecimento da lista dos pertences encontrados no apartamento do escritor, em Moscou. Bábel fora preso pela polícia de Stálin. Seus manuscritos foram confiscados, seu nome apagado de enciclopédias, dicionários literários e roteiros de cinema, seus óculos quebrados, seu corpo torturado e, até ser executado por um pelotão de fuzilamento, tudo o que ele pedia era: “Deixem-me concluir minha obra”. Os manuscritos de Bábel desapareceram, e ele será sempre um homem inconcluso – como todos nós e, de certo modo, mais que todos. Mas o que fez eu e B nos comovermos para além da brutalidade do regime de Stálin, que executara também as letras de Bábel,foi descobrir no espólio do escritor“um pato de banho”.

Se a pessoa de Bábel estava em algum lugar, pensei, era naquele pato de borracha. Sem saber o que fazer, lançada na claridade pela lucidez excessiva de B, agarrei forte a sua mão. Agarrei para machucar, para que B sentisse as minhas unhas. Eu sabia que, se a “pessoa” de nós estava em algum lugar, era naquele toque que nos impedia de submergir no que o personagem de Tchekhov chamou de “verdades convencionais e mentiras convencionais”.

Não me parece que B seja a única a vagar por aí gritando: “Cadê a pessoa?”. Por isso pedi a ela autorização para contar da sua perda a vocês. B a deu na hora. Mas quando lhe perguntei se poderia colocar seu nome, ela negou com veemência: “Se você revelar meu nome, eu perderei a pessoa para sempre. A pessoa está fora do nome”.
____________________________________________
Eliane Brum escreve às segundas-feiras na Revista Época.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Falar é fácil.






"Para provar novos chás, 
é preciso esvaziar a xícara."
cfa

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Vontades















Vc tem fome di q ? 
Vc tem sede di q ?
[Titãs in Comida]






Tô cansado, só não sei de quê.
(Eu não entendo muito bem ainda.)
Mas esse cansaço de sei lá o que
às vezes é bem cansativo.

Essa vontade de sei lá o quê é chata,
é justamente o sei lá o que que cansa.
Você precisa saber do que você tem vontade
essa vontade indefinida é um saco.

#Diálogos

O tempo

via Revista Época

O holandês Frans Hofmeester trabalhou, nos últimos 12 anos, em uma ideia simples, mas que exige muita paciência. O resultado, afinal, só pode ser visto agora. O artista tem dois filhos: a menina Lotte, de 12 anos, e o caçula Vince, de 9. Uma vez a cada semana de vida das crianças, ele as filmou por alguns segundos, sempre no mesmo cenário – com um cobertor de bebê ao fundo que resiste até hoje -, como forma de registrar o crescimento de cada um. Agora, ele juntou todas as imagens captadas em dois vídeos de alta velocidade, que resumem a vida dos filhos em poucos minutos. Os 12 anos de Lotte resultaram em um vídeo de 2 minutos e 45 segundos; e os 9 anos de Vince, em um de 2 minutos. Na última semana, Hofmeester divulgou seu trabalho na internet.

 

terça-feira, 22 de maio de 2012

Essa lua


por Marcos Daniel













“Eu não devia te dizer,
mas essa lua, esse conhaque,
botam a gente comovido
como o diabo.”
Carlos Drummond de Andrade








Essa Lua me lembra um passado,
Uma noite, um presente.
Será que ele ainda está lá ?
Será que ela ainda está ?
Será ?

Já faz tanto tempo,
não, na verdade não faz tanto tempo assim,
mas o tempo é sempre suficiente,
é sempre preciso (exato),
mesmo quando ausente,
é uma ausência precisa (necessária);

Hoje é o amanhã de ontem,
até aí, nada de novo,
a novidade é essa repentina saudade,
na posta-restante,
uma saudade ponto-material,
uma saudade de dimensões desprezíveis;

Mentira,
Mentira de mim.

Onde ?


Uuuuupaaaa!!!


‎"E então? 
Somando os prós e os contras,
as boas e as más opções, onde, afinal,
é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço."
Cléo Oliver

Pessoa Certa X Pessoa Errada


por Martha Mendonça


Mas o que exatamente isso significa?

De forma geral, é fácil ter uma resposta. Pessoa certa é a que deu certo com a gente. Pessoa errada deu errado. Simples? Talvez nem tanto.

O que me incomoda é que essas expressões – mesmo que usadas de forma superficial – dão a entender que existe uma falta de flexibilidade em relação à felicidade de cada um. Para cada um, existiria alguém certo – e, por consequencia, alguém errado.

Mas e se os errados formos nós e não o outro?

E se nós, diante da ideia de o Sr. ou Sra. Pessoa Certa (ou Mr. Right, como se diz em inglês) está nos esperando a cada esquina, começarmos a achar todo o resto do mundo Errado?
E se o Sr. Pessoa Certa aparecer no momento errado, quando nós estivermos fazendo de tudo para provar para nós mesmo que o Sr. Pessoa Errada é o Sr. Pessoa Certa?

E se o Sr. Pessoa Certa achar que nós somos a Sra. Pessoa Errada?

Acho que Certo ou Errado é uma questão de prestar atenção, saber cuidar, querer ser Certo pro outro. E também, por outro lado, desistir do que é claramente Errado, mesmo que a gente deseje muito que seja Certo, mesmo que pareça que o mundo vai acabar sem ela ou ela, mesmo que o mundo é que pareça todo Errado sem aquela pessoa do nosso lado.

Ou não. Vai ver eu não sou a Pessoa Certa pra falar disso.
___________________________
Publicado originalmente na Revista Época.

Sobrevivente



















"(...) Essa sensação, às vezes, de ser estrangeiro 
e não saber falar o idioma local, de ser meio ET, 
uma espécie de sobrevivente de uma civilização extinta. 
Essa intensidade toda em tempo de ternura minguada. 
Esse amor tão vívido em terra em que a maioria parece 
se assustar mais com o afeto do que com a indelicadeza. 
Esse cuidado espontâneo com os outros. 
Essa vontade tão pura de que ninguém sofra por nada. 
Esse melindre de ferir por saber, 
com nitidez, como dói ser ferido. 
Ser sensível nesse mundo 
requer muita coragem. 
Muita. Todo dia."

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Fico aqui a pensar


por Claudia

Qual o tamanho de uma decepção e sua importância em nossos sentimentos. Ela pode mesmo ser gigantesca. Claro que o que é importante para mim, com certeza pode ser algo que passa despercebido ao causador da decepção.

Passamos por muitas coisas ao longo da vida! vivemos cada instante, bom ou ruim. Podemos dizer que a decepção traz consigo uma sombra ruim, um gosto amargo na boca e um nó no estomago, que te desmotiva, que te faz pensar que nada mais é confiável.

Isso acontece porque nós só nos decepcionamos com as pessoas que sabiam dos nossos mais puros sentimentos, a quem dedicamos verdadeiro amor, confiança e amizade. Pode ser de um AMIGO a quem entregamos e compartilhamos os mais profundos segredos, medos e desejos, e que de um momento ao outro ele fica diferente, duvidando da nossa sinceridade, do nosso afeto, da nossa lealdade, esquecendo o preço que tem para a gente! Também pode ser de um alguém, que um dia chega e nos diz que o amor acabou, que já não fazemos mais parte da sua história. 

Assim nos iludimos. assim veremos que nada mas tem sentido! quando nos DECEPCIONAMOS com alguém, principalmente alguém muito especial, AMIGO IRMÃO AMADO, o mundo para, aquele sentimento maravilhoso DESAPARECE, aquele sonho que você achou realmente que existia, um conto de fadas que não era verdade. 

Uma decepção muitas vezes nos traz mágoas, tristeza, raiva, ilusão, desesperança no ser humano. Mas às vezes pode nos fazer entender que nada é perfeito! Nada é para sempre, nem as amizades nem os amores… o negocio é viver a vida, e seguir enfrente a qualquer preço. 

Passar por decepções na vida todo mundo passa, mas que ela vai embora, ahhh vai! 

____________________________________________
publicado originalmente no Cantinho da Fênix 

domingo, 20 de maio de 2012

Uniformes

por Marcos Daniel

Era 1980 e eu, menino de pouca idade e feinho de dar dó, tinha acabado de chegar ao Rio de janeiro. Cidade gigantesca para os meus padrões. Naquela época Campo Grande, apesar de ser capital do estado do Mato Grosso do Sul, ainda mantinha ares de cidade do interior. Nada que se comparasse à grandiosidade cosmopolita do Rio de Janeiro.

Me lembro que eu e minha mãe ficamos "hospedados" uns dias na casa de meu finado avô Zezinho, até que nos mudamos para um edifício chamado Solar dos Coqueiros. Minha mãe comprou uma Honda 125 zero kilometro, e com ela íamos e vínhamos pelas ruas da Taquara e da Freguesia. 

Durante todo o meu ensino primário, sendo eu ainda mais menino e provavelmente mais feio, eu estudei em escola particular e no período vespertino. Mas eis que, chegando na Cidade Maravilhosa, quis o destino (sempre ele) que eu, menino e feio, fosse matriculado na Escola Municipal Antonio de Oliveira Salazar, na primeira série ginasial, no período matutino. 

Nas vésperas de iniciarem as aulas eu confesso que um frio me corria a espinha. Me sentia como que indo para um presídio. Imaginava um cenário parecido com o filme Conan, o bárbaro, ou Mad Max, ou coisa do gênero. Mas o que mais me tirava o sono era justamente a ideia de acordar cedo. Não que gostasse de dormir até tarde - ou gostasse, não lembro - mas eu tinha a certeza absoluta de que iria chegar atrasado, o que para mim, menino e feio e egresso de colégio de padres, era fatal. Fato é que semanas antes eu já estava profundamente preocupado. Se em colégio de padres cristianizados meninos feios atrasados levavam palmadas nas mãos, o que estaria reservado em escolas dominadas por bárbaros.

(...)
Naquela época as escolas públicas no Rio de Janeiro forneciam como uniforme duas calças de linho azul marinho e duas camisas brancas de manga curta, que vinham sem os bolsos. Era um uniforme comum para todos os meninos feios e pobres da rede pública municipal, e cada escola entregava para cada aluno feio e pobre dois pedaços de tecido em formato de bolso, onde vinha bordado o brasão e o nome da escola, para que cada mãe os costurasse nas camisas, na altura do bolso. Compunha ainda o uniforme sapato preto e meias sociais pretas (nada de tênis, não senhor). Vocês imaginem como era trabalhoso para as mães naquela época, ter que passar calça de linho e camisa de botão todo dia pros filhos feios e pobres irem à escola.

Pois bem, preocupado com o tempo, eu tive uma idéia luminosa. Não sei porque mas eu enfiei na cabeça que vestir o bendito uniforme era a coisa que mais me tomaria tempo. Na véspera do primeiro dia de aula, arrumei caprichosamente todo meu material escolar - dois lápis, uma borracha e um caderno brochura - e esperei minha mãe passar o uniforme, calça de linho azul marinho com vinco e camisa branca com botões (já com o bolso, que minha mãe mandou costurar). Assim que terminou de passar, ela colocou delicadamente num cabide, primeiro a calça de linho azul marinho bem passada com vinco, depois a camisa branca com botões e com o bolso já costurado. Se despediu, sem beijo, do menino feio e foi embora, fechando a porta do minúsculo quarto de empregada onde eu dormia.

Nem bem ela virou as costas, eu me levantei, sorrateiro, pé ante pé, abri o minúsculíssimo guarda-roupas, alcancei o cabide e tratei de vestir o uniforme, na certeza de que economizaria tempo de manhã. Como isso era lógico e cristalino naquela noite. dormi me sentindo ainda menino e feio, mas uniformizado e genial.

O que aconteceu na manhã deve estar claro para todos. Acordei com o uniforme todo amarrotado, levei uma surra, minha mãe teve que passar tudo de novo, perdi mais tempo e acabei chegando, de fato, atrasado. Mas o bom foi que nada de mal aconteceu. Muitos chegaram atrasados (primeiro dia), ninguém sabia onde eram as salas, bagunça normal de primeiro dia, igual escola particular.

O que me lembro também desse um ano que estudei lá era que todo dia era a mesma merenda: Macarrão pintado grosseiramente com uma tinta vermelha e banana. Repetindo: TODO DIA era macarrão pintado de vermelho (era pra ser tipo um molho) e banana. Eu vendia minha merenda pra comprar doces. Curioso que não me lembro de um único menino feio ou menina feia dessa época.

Mas me lembrei de tudo isso porque eu tenho que passar meu uniforme pra trabalhar amanhã mas estou com tanta preguiça. Acho que vou deixar pra amanhã cedo mesmo, da tempo, sempre deu.

É isso... 

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Achei um Blog da Escola. Agora ela se chama "25 de Abril".
Vejo algumas fotos, crianças não-feias de tênis, jeans e
camiseta. As mães de hoje já sofrem bem menos.

O Raro e o Comum


"E tudo ficou tão claro, e o que era raro ficou comum."
[Humberto Gessinger in Somos Quem Podemos Ser]


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"Eita momento triste esse,
quando descobrimos 
que enchemos de significado
o que era, na verdade, 
insignificante."
marcos daniel

Minhas impressões sobre a Parada Gay de Máringa





De maneira pacífica e ordeira, 
as cores do movimento LGBT 
foram 'colorindo' lentamente 
a região central de Maringá.








O que dizer da Parada LGBT de Maringá. Eu temia não viver o bastante para testemunhar esse tipo de manifestação aqui  na provinciana Má-ringa, tão preconceituosa, heteronormativa e conservadora. Me enganei.

Temia também que houvesse algum tipo de conflito, com grupos religiosos ou pessoas gratuitamente homofobicas, mas tudo correu na mais perfeita ordem.

Drags exuberantes tirando fotos com pais e mães e crianças. Famílias inteiras (algumas mantendo uma certa distância). Casais de moças, casais de rapazes, todos bem jovens, abraçados. Demonstrações publicas de afeto, uns tiozinhos de mãos dadas, umas coroas também, tudo sem incidentes.

Algumas pessoas tão insuspeitas. Passa por mim um tiozinho bem vestido, de mão-dada com uma perua magrela, e eu fico pensando: Será que é !?

O número de curiosos é equivalente ao de efetivos participantes. Mas não chegou aos 8.000 noticiados pela imprensa. Se na Parada tinha 5.000 então na Marcha tinha 10.000.



"O colorido das bandeiras e as 'fantasias' irreverentes de alguns participantes 
atraíram inúmeros curiosos. Enquanto uns preferiram acompanhar 
a movimentação a distância, outros se misturaram a multidão como o casal 
Margareth, 51 anos, e Jair da Silva, 55 anos. 
"Estou super feliz em participar da Parada Gay, sempre tive vontade 
de ir a um evento assim, mas ainda não tinha tido oportunidade. 
Eu e toda minha família temos inúmeros amigos homossexuais, 
que frequentam a nossa casa e são pessoas maravilhosas. 
Eu diria que alguns deles são até melhores do que 
muitas pessoas ditas 'normais'. O preconceito precisa acabar", 
defendeu Margareth." 



Mas acho natural que haja mais ovelhas na Marcha para Jesus. Primeiro porque há mais evangélicos do que gays. Segundo que a própria ideologia do cristianismo estimula o crente a manifestar publicamente sua opção por Jesus Cristo. Só se é crente à partir do momento em que se declara isso, o que é conhecido como “profissão de fé”. Os conflitos, interno e externo, são muito menores quando se trata de sair do armário religioso. A sociedade acolhe, a família não da muita importância, é tudo bem tranquilo.  

No caso do armário da sexualidade, o problema fica bem mais complicado. Não bastasse o drama do conflito consigo mesmo, de se aceitar como homossexual, ainda há depois esse desabrochar, primeiro a família, depois escola, trabalho, e finalmente o mundo. Acho que o grande desafio para as lideranças LGBT é convencer os gays a saírem do armário.



"Fabiana soube do evento através de amigos homossexuais e, 
curiosa, resolveu ir a Parada Gay acompanhada do marido 
e das filhas gêmeas Jéssica e Ana, de cinco anos. 
"Estou gostando da festa e não vejo problema 
das minhas filhas estarem aqui. 
Elas precisam aprender a respeitar 
a diversidade desde cedo", disse."



Algumas sapas são lindas. Sei que as militantes detestam esse tipo de afirmação, mas meu coração hetero acha um desperdício (que deselegante).

O clima é, evidentemente, bem lascivo. Beijos e pegações que, ainda que fossem entre heterossexuais, deixariam qualquer frade corado. 

Mas ao ver esse povo fora dos guetos, algumas perguntas ficaram na minha cabeça: Onde essa gurizada alegre e colorida fica “escondida” nos outros 364 dias do ano ? Como esses meninos conseguem disfarçar seus “trejeitos” no dia-a-dia ? Como é isso na escola (eles estudam) ? Como é isso no trabalho ? 

Mas enfim... foi emocionante. Que hajam mais eventos desse tipo. Sem-terra, Sem-teto, Sem-namorada (tô nessa)...

Mas nem tudo são flores. Voltando pra casa, passam por mim dois menininhos, de uns 5 ou 6 anos. O gordinho dá um tapa nas costas do magrelo e diz: Vai lá no meio, você é um!!! E o magrelo, se esquivando, responde; Eu não, vai você! Os pais, que vinham atrás, riem. E assim a heteronormatividade e a homofobia vão se perpetuando, geração após geração.



Te amo












"Eu iria até o inferno pra te buscar,
mas não me peça 
pra ficar lá com você,
sinto muito."
marcos daniel

Aprendendo















Nossa... 
juro que eu achei que era sincero,
mas era só uma frase feita, 
dessas de feicebuqui. 
marcos daniel


#UmDiaEuAprendo

Morte do Leiteiro



por Carlos Drummond de Andrade
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Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.


Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.

Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro,
morados na Rua Namur,
empregado no entreposto,
com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.

E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.

Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.

Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei, é tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.


A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.