terça-feira, 10 de abril de 2012

A Noite Dissolve Os Homens


por Carlos Drummond de Andrade


A noite desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.

E nem tão pouco os rumores 
que outrora me perturbavam.

A noite desceu. 
Nas casas, nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos, 
a noite espalhou o medo 
e a total incompreensão.

A noite caiu. 
Tremenda, sem esperança...
Os suspiros acusam a presença negra 
que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho na noite.

A noite é mortal, completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens, 
diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias, 
apagou os almirantes cintilantes
nas suas fardas.



A noite anoiteceu tudo... 
O mundo não tem remédio...
Os suicidas tinham razão.

Aurora, entretanto eu te diviso,
ainda tímida, inexperiente das luzes 
que vais ascender e dos bens 
que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas 
e humilhações, adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe 
ao contato de teus dedos,
teus dedos frios,
que ainda se não modelaram 
mas que avançam na escuridão
como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará 
em ti o seu termo,
minha carne estremece 
na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, 
as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, 
uma inocência,
um perdão simples e macio...

Havemos de amanhecer.

O mundo se tinge
com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, 
de tão necessário para colorir 
tuas pálidas faces, aurora.

Nenhum comentário: