Matéria publicada no jornal O Diário em 2002 tem como título
"Lésbicas da cidade celebram conquista".
Será !?
do O Diário
Lésbica, fanchona, sapa-tão, paraíba, machona, entendida: o que significam essas palavras? A que tipo de pessoa se referem? Na sociedade do século 21, o lesbianismo ainda é visto por muitos, como um desvio ou uma aberração. Nos últimos dez anos, ativis-tas homossexuais no mundo inteiro estabeleceram duas vias de atuação para neutralizar e eliminar o preconceito em relação a gays e lésbicas: orgulho e visibilidade. Orgulho no sentido de não ter vergonha de assumir sua homossexualidade para os outros e visibilidade no sentido de mostrar para a sociedade quem realmente são, como amam e vivem gays e lésbicas.
Em Maringá, um pequeno grupo questiona a tradição de olhar a lésbica como um ser oculto e obscuro, sempre ligado a perversão e desordem. Esse grupo é formado por mulheres que não escondem a sua orientação sexual e desafiam os mais conservadores.
O grupo questiona a história e arrisca defender a tese de que os historiadores esqueceram de divulgar o que não lhes interessava. Para fazer tal afirmação, elas citam a escritora Tânia Navarro. ?A História, dona do tempo, esqueceu que tempo significa transformações, esqueceu a própria História para traçar um só perfil das relações humanas?, segundo relatou a escritora no livro Política do Esquecimento ? Indícios e Interpretações.
A escritora alerta que o modelo utilizado pelos historiadores era de uma civilização ocidental e a referência, era o homem branco e heterossexual. Segundo Tânia, há indícios da História que mostram traços de culturas e civilizações diversas, onde mulheres podiam, ?sem medo de ser feliz?, amar-se umas às outras.
Recentemente, membros do Grupo Voz pela Vida ? Organização de Luta pelos Direitos Humanos e Combate ao HIV/Aids, que atua na cidade, conquistaram uma cadeira no Conselho Municipal da Mulher de Maringá para defender e lutar por gays e lésbicas, são elas: Carla Torres e Patrícia Lessa. ?A gente se sente a vontade dentro da ONG para falar como homossexuais, já que o grupo não é formado apenas por homossexuais?, informou Carla, titular da cadeira no conselho.
VIDAS
A professora Patrícia Lessa, 31, nasceu em Pelotas (RS) e está em Maringá há quase quatro anos. Ela lembrou que desde muito jovem já era militante de causas e pessoas que são ameaçadas de exclusão social. Patrícia não diz que é lésbica, apenas se declara como uma pessoal sexual. ?Se a gente se define, se rotula, isso pode atrapalhar. Se eu disser que sou uma professora, isso não vai me definir como ser humano completo?, observou.
Para ela, a definição de lésbica ou gay serve apenas como luta política por um objetivo coletivo. As definições acabam sendo menos importantes, já que Patrícia informou que está exposta em todas as lutas que acredita serem coerentes. ?Construímos nossa sexualidade durante nossa existência. Nada acontece de repente. Em uma cidade pequena, como Maringá, não existe o anonimato dos grandes centros?, disse.
A professora lembrou também que o lesbianismo é um divisor de águas e deve ser discutido dentro das famílias. Segundo Patrícia, há algum tempo a negação era maior, mas hoje, o preconceito vem diminuindo daí a importância de discutir o tema com os jovens. ?Durante minha vida houve momentos de confronto com minha família, mas hoje, todos me apóiam?, comentou.
A estudante Carla Torres, 23, nasceu em Umuarama (PR) e veio para Maringá com 15 anos. Ela comentou que, assim como a amiga Patrícia, também sempre militou nas causas das chamadas minorias.
Segundo a estudante, não é a sua orientação sexual que faz com ela seja de alguma forma discriminada. Mas o fato de ser mulher, negra e pobre. Carla fez parte do grupo de pessoas que fundou o Grupo Voz pela Vida, em 2000. ?Faço questão de deixar claro que não é um grupo de gays e lésbicas. Infelizmente, Maringá ainda não tem um grupo organizado nesse sentido?, frisou.
Titular de uma cadeira no Conselho Municipal da Mulher de Maringá, Carla lembrou que já sofreu muitas vezes violação dos seus direitos, mas como cidadã. ?Talvez o fato de eu usar piercing assuste as pessoas, que são ligadas no que é normal. As pessoas resumem as outras apenas em cima de um preconceito. Seria melhor que todos procurassem se informar mais?, disse.
?Existe uma infinidade de possibilidades sexuais, os chamados transgêneros. Então, quando as pessoas começam a pensar nesse assunto é melhor buscar informação em sites, literatura ou em outros lugares para evitar sofrimento. Sofrer não leva a nada?, aconselhou a professora Patrícia Lessa.
EXPERIÊNCIAS
A administradora de empresas, Tatiana Martins, 26, é de São Paulo, capital. Há pouco mais de um ano e meio mudou para Maringá. Para ela, a expressão lésbica é muito forte, por isso diz que é entendida.
Tatiana contou que até os 17 anos só namorava homens, mas já sentia atração por mulheres e não entendia muito bem porque isso acontecia. Aos 18 anos, a administradora resolveu assumir sua orientação sexual. ?Sou entendida?, confessou.
Aos 20 anos, Tatiana manteve uma relação estável. Foi nesta época, que sua família percebeu que havia algo diferente. Segundo ela, não foi preciso se afastar para que a família aceitasse a situação. Quando se formou e resolveu vir para Maringá, sentiu pela primeira vez o preconceito no ar. ?É preciso procurar ser feliz sempre e só se arrepender do que não fez. Me sinto muito feliz e completa?, comentou a administradora de empresas.
Tatiana informou que a única coisa que mudou em sua vida foi à opção sexual, não o sexo. Para ela, o mundo gay é igual ao mundo hetero, sem diferenças. Tatiana calculou que existam cerca de 300 pessoas, entre gays e lésbicas vivendo em Maringá e fez questão de frisar que não são pessoas promiscuas. ?Levamos uma vida saudável como qualquer outra pessoa. Trabalhamos, comemos, dormimos e nos divertimos igual todo mundo?, disse.
A empresária Kátia Silva (nome fictício), 24, nasceu em Maringá, mas viveu muitos anos no exterior. Ela contou que chegou a ficar casada durante quase cinco anos por causa de pressão familiar.
Segundo seu relato, num belo dia arrumou suas coisas e saiu de casa. Na época, ninguém entendeu o que havia ocorrido ou os possíveis motivos que a levaram a fazer aquilo.
Cansada de viver fora do Brasil, a jovem resolveu voltar. Durante alguns meses morou em São Paulo, onde começou a freqüentar bares gays. Mais tarde escolheu ficar perto de parentes e viver em Maringá.
Kátia estava decidida a montar um bar e convidou a amiga Tatiana para ajuda-la a tocar o empreendimento.
?Enfrentei todos os tipos de preconceitos quando descobriram que era um bar GLS (Gays, lésbicas e simpatizantes). Polícia, prefeitura, vizinhos, todos se acharam no direito de querer que eu abrisse o bar fora do centro, no mato?, lembrou a empresária.
Segundo ela, a Secretaria do Meio Ambiente proibiu as apresentações artísticas, alegando que os vizinhos reclamam do barulho e não quer renovar o alvará de funcionamento. Kátia afirmou que a polícia também ?pega pesado?, expressão da própria empresária.
?O pessoal GLS é muito civilizado. Nunca fomos para uma delegacia ou aconteceu algum problema no bar. Acho que o que incomoda as pessoas é o preconceito. Nós saímos do armário e esperamos que as autoridades parem de ver os gays e as lésbicas como bichos. Estamos apenas lutando para sobreviver?, disse Kátia.
?Somos um mercado em expansão. Os gays consomem, se vestem bem, viajam, gastam e por isso, representam uma fatia importante da sociedade. Não queremos nos esconder, apenas respeito?, concluiu Tatiana.
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