por Marcos Daniel
Era 1980 e eu, menino de pouca idade e feinho de dar dó, tinha acabado de chegar ao Rio de janeiro. Cidade gigantesca para os meus padrões. Naquela época Campo Grande, apesar de ser capital do estado do Mato Grosso do Sul, ainda mantinha ares de cidade do interior. Nada que se comparasse à grandiosidade cosmopolita do Rio de Janeiro.
Me lembro que eu e minha mãe ficamos "hospedados" uns dias na casa de meu finado avô Zezinho, até que nos mudamos para um edifício chamado Solar dos Coqueiros. Minha mãe comprou uma Honda 125 zero kilometro, e com ela íamos e vínhamos pelas ruas da Taquara e da Freguesia.
Durante todo o meu ensino primário, sendo eu ainda mais menino e provavelmente mais feio, eu estudei em escola particular e no período vespertino. Mas eis que, chegando na Cidade Maravilhosa, quis o destino (sempre ele) que eu, menino e feio, fosse matriculado na Escola Municipal Antonio de Oliveira Salazar, na primeira série ginasial, no período matutino.
Nas vésperas de iniciarem as aulas eu confesso que um frio me corria a espinha. Me sentia como que indo para um presídio. Imaginava um cenário parecido com o filme Conan, o bárbaro, ou Mad Max, ou coisa do gênero. Mas o que mais me tirava o sono era justamente a ideia de acordar cedo. Não que gostasse de dormir até tarde - ou gostasse, não lembro - mas eu tinha a certeza absoluta de que iria chegar atrasado, o que para mim, menino e feio e egresso de colégio de padres, era fatal. Fato é que semanas antes eu já estava profundamente preocupado. Se em colégio de padres cristianizados meninos feios atrasados levavam palmadas nas mãos, o que estaria reservado em escolas dominadas por bárbaros.
(...)
Naquela época as escolas públicas no Rio de Janeiro forneciam como uniforme duas calças de linho azul marinho e duas camisas brancas de manga curta, que vinham sem os bolsos. Era um uniforme comum para todos os meninos feios e pobres da rede pública municipal, e cada escola entregava para cada aluno feio e pobre dois pedaços de tecido em formato de bolso, onde vinha bordado o brasão e o nome da escola, para que cada mãe os costurasse nas camisas, na altura do bolso. Compunha ainda o uniforme sapato preto e meias sociais pretas (nada de tênis, não senhor). Vocês imaginem como era trabalhoso para as mães naquela época, ter que passar calça de linho e camisa de botão todo dia pros filhos feios e pobres irem à escola.
Pois bem, preocupado com o tempo, eu tive uma idéia luminosa. Não sei porque mas eu enfiei na cabeça que vestir o bendito uniforme era a coisa que mais me tomaria tempo. Na véspera do primeiro dia de aula, arrumei caprichosamente todo meu material escolar - dois lápis, uma borracha e um caderno brochura - e esperei minha mãe passar o uniforme, calça de linho azul marinho com vinco e camisa branca com botões (já com o bolso, que minha mãe mandou costurar). Assim que terminou de passar, ela colocou delicadamente num cabide, primeiro a calça de linho azul marinho bem passada com vinco, depois a camisa branca com botões e com o bolso já costurado. Se despediu, sem beijo, do menino feio e foi embora, fechando a porta do minúsculo quarto de empregada onde eu dormia.
Nem bem ela virou as costas, eu me levantei, sorrateiro, pé ante pé, abri o minúsculíssimo guarda-roupas, alcancei o cabide e tratei de vestir o uniforme, na certeza de que economizaria tempo de manhã. Como isso era lógico e cristalino naquela noite. dormi me sentindo ainda menino e feio, mas uniformizado e genial.
O que aconteceu na manhã deve estar claro para todos. Acordei com o uniforme todo amarrotado, levei uma surra, minha mãe teve que passar tudo de novo, perdi mais tempo e acabei chegando, de fato, atrasado. Mas o bom foi que nada de mal aconteceu. Muitos chegaram atrasados (primeiro dia), ninguém sabia onde eram as salas, bagunça normal de primeiro dia, igual escola particular.
O que me lembro também desse um ano que estudei lá era que todo dia era a mesma merenda: Macarrão pintado grosseiramente com uma tinta vermelha e banana. Repetindo: TODO DIA era macarrão pintado de vermelho (era pra ser tipo um molho) e banana. Eu vendia minha merenda pra comprar doces. Curioso que não me lembro de um único menino feio ou menina feia dessa época.
Mas me lembrei de tudo isso porque eu tenho que passar meu uniforme pra trabalhar amanhã mas estou com tanta preguiça. Acho que vou deixar pra amanhã cedo mesmo, da tempo, sempre deu.
É isso...
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Achei um Blog da Escola. Agora ela se chama "25 de Abril".
Vejo algumas fotos, crianças não-feias de tênis, jeans e
camiseta. As mães de hoje já sofrem bem menos.
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