quarta-feira, 29 de setembro de 2010

MARIA ANGÉLICA

Ela chegou em silêncio, realmente sem fazer barulho algum, feito uma cobra ou um gato, mas isso não faria a menor diferença, pois seu pai a esperava no sofá, sentado de olhos bem abertos. Já era dia, seis e meia da manhã, por aí.

- Maria Angélica, isso são horas?

- Pai! Nossa... Acabei me atrasando e...

- Poupe-me, por favor. Fale a verdade. Não quero desculpas. O que houve? Você não é disso! Fiquei preocupado. Onde estava? Filha minha não é de chegar nesse horário. E você nem ligou!

- Olha, pai... Não vou mentir.

- Pois bem. Não minta! Onde estava?

- No motel!

- No motel? No motel??? Mas que merda é essa, Maria Angélica? É uma brincadeira ou o quê?

- O senhor pediu a verdade...

- Mas precisava ser isso?

- É a verdade...

- No motel...

- Sim, eu estava lá...

- Mas que inferno, Maria Angélica! E com quem?

- Com um rapaz que conheci na boate, saí com as meninas e...

- Alto lá! Você o conheceu ontem à noite, e ontem mesmo...

- Sim...

- Um dia? E no mesmo dia?

- O senhor pediu a verdade...

- Meu Deus! Na minha casa!

- Mas...

- É o fim do mundo! O mundo já acabou, aliás. É o resto do fim do mundo. É a barbárie. É o que acontece depois que o mundo acaba!

- Calma, pai...!

- Calma? Calma? Minha filha sai pra "dançar"... "Teoricamente", não é? E volta no outro dia, né? E silenciosamente, feito um ladrãozinho de galinha que não quer ser ouvido... Pra eu descobrir que passou a noite com um sujeito cujo nome ela nem sabe. Ou sabe?

- Não sei...

- Puta que la merda! Só falta dizer que ele pagou!

- E pagou!

- ...

- ...

- Quanto, filha?

- Setecentos reais.

- Como?

- Setecentos.

- Por uma noite?

- Uma, apenas.

- Nossa... Mas é muito. Setecentos reais é muito dinheiro.

- Tá aqui o cheque, olha...

- Cheque? Cheque, filha? Mas cheque não se aceita assim, caramba! Você é muito inocente.

- Olha!

- Meu Deus, é ingênua demais, olha aqui! É de empresa! Aposto que é de terceiros! Olha! Não é nem desta praça! Isso aqui vai voltar, filha! Caramba! Não adianta a gente dar criação, mesmo, sabe? Não adianta...

- Mas, pai...

- Eu tento te proteger desse mundo desonesto, filhinha. É só isso.

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