Um monge descabelado me disse no caminho:
“Eu queria construir uma ruína.
Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução.
Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera.
Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono,
como as taperas abrigam.
Porque o abandono pode não ser apenas de um homem
debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco
ou de uma criança presa num cubículo.
O abandono pode ser também de uma expressão
que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra.
Uma palavra que esteja sem ninguém dentro.
(O olho do monge estava perto de ser um canto.)
Continuou: digamos a palavra AMOR.
A palavra amor está quase vazia.
Não tem gente dentro dela.
Queria construir uma ruína para a palavra amor.
Talvez ela renascesse das ruínas,
como o lírio pode nascer de um monturo”.
E o monge se calou descabelado.
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Publicado originalmente em
A Linguagem Secreta das Palavras.
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