terça-feira, 5 de junho de 2012

Ruína





















Um monge descabelado me disse no caminho: 
“Eu queria construir uma ruína. 
Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. 
Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. 
Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, 
como as taperas abrigam. 
Porque o abandono pode não ser apenas de um homem 
debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco 
ou de uma criança presa num cubículo. 
O abandono pode ser também de uma expressão 
que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. 
Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. 
(O olho do monge estava perto de ser um canto.) 
Continuou: digamos a palavra AMOR. 
A palavra amor está quase vazia. 
Não tem gente dentro dela. 
Queria construir uma ruína para a palavra amor. 
Talvez ela renascesse das ruínas, 
como o lírio pode nascer de um monturo”. 
E o monge se calou descabelado.


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Publicado originalmente em
A Linguagem Secreta das Palavras.

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