sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Natal de Doralice



Num ameno domingo de dezembro, véspera de Natal, a dona-de-casa Doralice Carvalho estava sentada na pequena varanda de sua moradia na ruaPedro Soares deAndrade,em São Miguel. Olhao bairro conhecido que já principia a esmorecer de movimento, sossegando no começo da noite. Ao seu lado, também ocupando uma cadeira de plástico branco, seu marido e químico aposentado, Josué Carvalho, faz partedo silêncio. Filhos já criados e casados, os dois já entravam na casa dos 60.

– Dora, qual a cor do vestido que você está hoje?

Fogem os devaneios de Dora. Naquele preciso momento, a mulher pensava numa longínqua data de setembro de 1973, dia de seu casamento. Então, ela responde uma cor qualquer que tinha retida na memória – azul –, que Josué gostava na vida de outros tempos.

Retoma-se o mesmo silêncio de muitos casais antigos. Ela olha em direção às curvas do rio Tietê e, depois, volta para suas antigas lembranças. Numa tarde, estava no Clube da Nitro. Uma fita amarela, que lhe prendia os cabelos, foi o começo de tudo. Quando ela se desprendeu, arrancada pelas mãos ágeis de Josué, os seus cabelos esvoaçaram-se ao vento. Ele acalmou-os, depois desfez o nó do laço e jogou a fita sobre as águas. A fita, então, rodopiou na beira da murada da ponte, caiu, teimou em afundar e ficou boiando.

– O que fiz? – ele se assustou.

Os dois jovens ficaram olhando a fita pegando o rumo da correnteza, até o último momento. Depois, olharam-se parados, sonhando. E riram.

A partir daí, sempre aquela impressão que eram namorados, mesmo. Dora sabia amá-lo. Sorria, sempre, contente. Ele fantasiava histórias, imaginava casos e vestia-os de engraçado. Contava, ria também.

Casaram-se na antiga igrejade São Miguele, durante os cinco dias seguintes, se conheceram mais intimamente num pequeno apartamento emprestado por um colega de trabalho na praia do Gonzaguinha,em São Vicente.

Depois, o dia após dia. Muitas vezes, nalguma tarde, andava apressada – cheia de compras, o dia tão curto –, quase correndo no meio da rua, para esperá-lo. Labutava duro nos cuidados com a casa, mudava, trocava os móveis toda semana de canto. Ele chegava, olhava, aprovava, dizendo bonito. Outros dias, em começos de anoitecer, se assustava em imaginar que aquele seria o instante em que não veria mais o bater do trinco no portão, o limpar de sapatos no capacho, o girar da chave na fechadura. E Dora na sala esperando-o mesmo sabendo que ouviria apenas o seu cansado boa-noite.

Uma noite esperou. Espera fora de costume. Deu para reparar em tudo que era gente que passava na rua. Na cozinha, imaginava ouvir o trinco no portão. Corria à janela, de onde podia vê-lo passar pela varanda. Mas ele não chegava. Então, o trouxeram da fábrica de química. Havia passado a noite no hospital. Ataduras cobrindo-lhe a face, se maldizia:

– Maldito acidente. Onde meus olhos ficaram?

Não se conformava:

– Antes a morte. Sem vista no mundo, pra quê?

Calada, ela ouvia tudo aquilo e sabia que na vida, em muitos de seus meandros, não há caminhos de volta.  Para confortá-lo, sempre respondia:

– Pra tudo tem um jeito.   

Nessa tarde de domingo em que abre suas lembranças no vazio de seu bairro, ela sabe que os móveis, faz muito tempo, permanecem intocados. Mãos espalmadas no braço da cadeira, ela sabe que Josué nunca será o mesmo.

Agora, como faz sempre, ele chama:           

– Dora, me ajuda a ir ao quarto.

Ela desvia o olhar da rua vazia. Levanta. Puxa as sandálias debaixo da cadeira. Chora penosa e limpa as vistas no vestido, que é azul mesmo. Aproxima-se dele e pousa a mão em seu ombro.

Ele levanta seguindo a mulher. Ela guia seu corpo, livrando-o dos baques no sofá, na mesinha de televisão, na porta do quarto.

Junto à cama, ela ajeita o lençol e o travesseiro. Ele senta. Tateia e segura sua mão. Há um sinal de amor antigo e gratidão. Não dá para ver seus olhos.

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Texto de autoria de Roniwalter Jatobá, publicado no Blog da Editora Boitempo.

Oceano




Estou indo meu bem 
Para onde o mar te levar. 
Irei a sua procura, 
Sei que por você vale apena esperar. 
Não medirei esforços para encontrar você. 
A distância não irá mudar o que sinto por ti. 
Espero o mesmo de você... 
Mas o mundo dá voltas e tudo se encontra! 
Sete mares tornam-se pequenos quando falamos de amor.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Se se morre de amor



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Se se morre de amor! – Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve e no que vê prazer alcança!
Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d’amor arrebentar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão, que as luzes ao morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D’amor igual ninguém sucumbe à perda.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração – abertos
Ao grande, ao belo, é ser capaz d’extremos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!
Compreender o infinito, a imensidade
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D’aves, flores,murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se morre!
Amar, é não saber, não ter coragem
Pra dizer que o amor que em nós sentimos;
Temer qu’olhos profanos nos devassem
O templo onde a melhor porção da vida
Se concentra
onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis d’lusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compreender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!
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(Gonçalves Dias in Se Se Morre De Amor)

Monocromia

"Que me perdoem se eu insisto neste tema 
Mas não sei fazer poema ou canção 
Que fale de outra coisa que não seja o amor 
Se o quadradismo dos meus versos 
Vai de encontro aos intelectos 
Que não usam o coração como expressão 
(...) Mas não faz mal, é tão normal ter desamor 
É tão cafona, sofredor 
Que eu já nem sei se é meninice 
ou cafonice o meu amor."
(Toquinho in Você Abusou)



Sei, caros leitores, que esse modesto Blog se tornou monótono, monocromático, chato talvez... mas não consigo falar, pensar ou agir em torno de outra coisa que não seja a mulher que amo. Espero que vocês compreendam e aguentem firmes... logo logo ela volta e tudo será diferente.

Agradecido !!!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Fulano e Cicrano



"Nada a temer se não o correr da luta. 
Nada a fazer se não esquecer o medo." 
(Maria Eugênia in Caçador de Mim)


Fulano tá com câncer. Nas últimas. desenganado. Decide com a família e os médicos pela Quimioterapia, última esperança desesperada de mais alguns natais. Daí encontra com o "amigo" Cicrano e diz, um tanto otimista, que vai começar a tal quimio amanhã. Pra quê !? Cicrano começa: Rapaz, num faz isso. É perda de tempo. Você vai sofrer à toa. Vai passar mal, dores horríveis, vômitos, diarréia. Seu cabelo vai cair. Tive um amigo que fez e disse que a sensação é que tinha um cachorro comendo ele por dentro. E pra quê, morreu do mesmo jeito o pobre. Larga mão Fulano. Se entrega logo. Morre de uma vez. Pra que esse apego á vida rapaz !? Vai por mim, tô falando isso porque sou seu amigo !!!" 





 É esse tipo de conselho que tenho recebido. 
 Devo desistir da vida porque a luta será doída? 
 Nem fodendo. 
 É minha vida que está em jogo 
Nunca tive medo da luta. 
 Luto porque sei que o prêmio vale muito a pena, 
 qualquer que seja essa pena. 
 Se a morte é inevitável, morrerei lutando. 
 Sou assim mesmo e serei até o fim, 
 qualquer que seja esse fim...


Bola pra frente



Olha só. Fiquei pensando muito no que te dizer nesse dia tão triste. Você sabe o que tenho sofrido, mas hoje fiquei especialmente preocupado com você. Sei que você não merecia sofrer dessa forma, não é justo nem direito. Essa é a questão principal: merecimento. Alguns merecem sofrer, eu inclusive, cavei o poço onde agora estou enterrado. Mas não é esse seu caso.

Compartilho com você também essa sensação de impotência. Ficamos reféns de outra pessoa para quem nós não significamos mais absolutamente nada. Pro outro não existe problema colocado ou a ser resolvido. Pra ele a vida segue, sem dor, sem culpa, olhar posto á frente, planos e sonhos onde não cabemos mais. É triste, é egoísta mas é assim.

Quem sou eu pra te dizer pra tocar a vida pra frente. A minha estancou desde que ela foi embora. Como esquecer ? Como prosseguir ? Como suportar o intolerável !? Meus Deus do céu! Não tenho as respostas, mas sei que vou aprender a conviver com essa dor, esse vazio abissal impreenchível. Acho que vou...

Mas me conforta saber que você, de tão especial, há de superar essa dor na sussa. Não será rápido, mas deixará um aprendizado, espero. Sei que isso fará de você uma pessoa mais completa, mais forte, mais madura. Uma pessoa melhor, com certeza. Não deixe que essa experiência tire sua fé no amor, na vida e sobretudo nas pessoas. Não deixe que o sofrimento torne você uma pessoa pior. Você tem capacidade de arranjar outra pessoa, não digo melhor ou pior, porque isso não vem ao caso. Enquanto isso conte com os amigos, cerque-se deles, use e abuse, torture-os até às vezes, se forem “camaras” vão agüentar firmes e não arredarão pé do seu lado. 

Fique com Deus Camilla, e “quando a chuva passar e o tempo abrir” e aparecer um novo sol na sua vida, não esqueça de dar a boa nova aos amigos, aos “camaras”, pra que eles comemorem com você. 

Força sempre e obrigado por “cuidar” do meu tesouro. 

Abraços.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Paleativos

Essa sua capacidade de se expor, de se desnudar. Acho muito doido ! Exclamou um amigo dia desses, admirado.

Na verdade não é uma capacidade, queridos, é uma necessidade. Sempre fui assim.

Por sorte sempre gostei das palavras. Sempre li muito e sempre gostei de escrever. Mais que isso, gosto do meu traço, gosto de combinar as palavras, manipular sinônimos, antônimos, mixar significantes e significados. Tem me ajudado bastante nesses dias trágicos. Através da escrita desabafo, descarrego toda minha bi-polaridade. O texto me escuta, me entende e me explica. Nele me enxergo, me percebo, converso comigo, me consolo. Nos damos bem já a  muito tempo.

Tenho encontrado conforto na escrita e também no álcool. Pode parecer triste, mas me arrependo de não ter bebido desde o começo disso tudo. Teria me evitado tanto sofrimento. O álcool é mágico. Esqueço instantaneamente da minha tragédia. Passei a ter um certo respeito por quem bebe pra esquecer. Aplausos para nós.

Muito fácil pra você julgar. Rotular-me de fraco, avisar dos perigos. Exclamações e interrogações no conforto de seus relacionamentos estáveis e bem resolvidos. Vão se fuder todos vocês.

Lanço oficialmente a promoção: Pague minhas contas, resolva meus problemas e ganhe o direito de falar da minha vida!!!! Vão se fuder de novo. (Excessão para Hilma, Kênia e Jheylla  e para os demais que tem se preocupado genuinamente comigo (e são muitíssimo poucos) ... e pra quem eventualmente tem me ajudado com problemas e contas).

Abraços.

sábado, 6 de agosto de 2011

Morte e Vida


“Espalhando o que já está morto pro que é vivo crescer.”
(Zé Rodrix in Jesus Numa Moto)

Acho que não seja mais o caso de pensar em sobreviver. Sobreviver a tudo isso restou impossível, muito além das minhas forças. Essa dor delirante, sufocante. Essa angústia que tem me consumido. Essa traição que me amarga a alma e cala e sega o pouco que ainda há de nobre em mim. O corpo dá sinais de esgotamento. Não come, não dorme, sofre apenas. A cabeça, coitada, toda despombalizada, já perde o juízo, não diz coisa-com-coisa, não se concentra, não pensa. Como prosseguir ? Meu coração, tão vital na minha história, insiste e teima e não arreda pé: Quer Ela e pronto.

Se sobreviver a tamanho massacre, depois de tal estrago, o que restará ? Um ser magoado, amargo e triste, carregando “uma pedra no peito”? A alma seca, estéril. O sorriso (?) guardado pra sempre. A alma prostrada, a cabeça baixa. O triste cotidiano acachapante de obrigações e lembranças. Fotos e cartas trocadas. A saudade acenando nos lugares outrora freqüentados, a pulsação acelerada em cada cabelo rebelde, em cada batida na porta, em cada toque do celular. A presença constante da culpa, já em adiantada metástase, se espalhando por todos os aspectos dessa sobre-vida insana.

E o pior. A consciência da própria insignificância por parte da pessoa amada. A outra vida, antes tão unida à sua, segue seu rumo, alheio e indiferente à sua dor. Ser abandonado, substituído e, por fim, esquecido em questão de dias. Como conviver com isso.

Ninguém merece. Eu tampouco.

Já que a moda é pensar apenas na própria felicidade, se o egoísmo é o valor do momento, se o lema é “Serei feliz e os outros que se fodam”, então o melhor é desistir e entregar os pontos. Não vale a pena ser sobrevivente nesse “novo mundo”.

De qualquer maneira, no final a morte vencerá de qualquer forma e em todo e qualquer sentido. Mas será uma vitória já depois da prorrogação, nos penaltis. Embora vencedora, de tão exausta sequer conseguirá erguer a Taça. Mas vencerá.

E depois, que venha a longa estrada do renascimento.