por Ivan Martins
Costumo me lembrar dela de duas maneiras. Em uma, é a mulher
intensa, cheia de vida, que a cada dia se apaixonava por uma nova ideia que
iria revolucionar a sua vida. Na outra, é uma garota ansiosa, desamparada,
sempre correndo atrás de algo que não existia. Nas duas versões é um ser humano
fascinante. Em ambas, uma companhia intolerável.
Dias atrás, ao me lembrar dessa pessoa concreta e real, me
ocorreu a imagem de um buraco negro – aquele ponto no espaço em que as forças
do universo se manifestam de forma extrema e misteriosa.
Em sua sedutora confusão, ela era capaz de atrair as
pessoas, roubar a luz que elas emitiam e, de forma inocente e inevitável,
esmagá-las. Assim como se imagina que os buracos negros podem levar a outras
dimensões, ela também arrastava as pessoas ao seu redor a um território de
angústia e perplexidade, aquele em que ela mesma vivia o tempo todo. Era, a
despeito da sua doçura essencial, da sua enorme carência, uma personalidade
destrutiva, incapaz de obter ou oferecer paz. Um mistério insolúvel para si
mesma. Uma alma atormentada. Um buraco negro emocional.
Talvez vocês já tenham se envolvido com gente assim.
É impossível ignorá-las e parece impossível
salvá-las de si
mesmas.
Movidos por nossos melhores sentimentos,
ou pelo mero desejo,
somos
arrastados a um turbilhão
que não é o nosso e rapidamente percebemos
que é impossível
contê-lo
ou sobreviver em seu interior.
Quando você descobre que o outro
é um
rio sem margem,
o instinto de sobrevivência recomenda fugir.
Quem fica tem
histórias difíceis para contar.
A convivência com esses extremos ensina algumas coisas,
porém. A mais importante delas é a importância essencial da sanidade. Os seres
humanos diferem de incontáveis maneiras e suas neuroses se multiplicam na mesma
proporção. Mas há, dentro de cada um de nós, uma espécie de termômetro que mede
a loucura do outro. Se ela passar do limite aceitável pela tribo, ou por nós
mesmos, algo dentro de nós berra e recua. Muitos tivemos essa experiência.
Você está conhecendo a pessoa, gosta do que vê e do que
ouve, mas, de repente, ela diz ou faz algo totalmente fora de contexto,
incompreensível e, por isso mesmo, assustador. Pode ser uma explosão de
violência, uma mudança radical de humor ou uma conversa sem pé nem cabeça, que
você tenta seguir e não consegue. O resultado é o mesmo: aparece um nó no estômago
e a atração vira pó. Temos vontade de sair correndo.
Mas esses são casos extremos.
Em geral, antes de descobrir o pântano mental do outro já
estamos enredados. Aí fica mais difícil perceber e escapar da confusão. Aliás,
podemos estar apaixonados pelo tumulto. Achamos aquilo tudo fascinante,
atraente, único. Pensamos: que pessoa original achei para mim. Leva tempo para
entender que ela talvez seja original demais para o seu próprio bem. Custa se
desvencilhar de algo assim.
Por isso eu penso nos buracos negros, em como eles arrastam
para si tudo ao redor, como são fundamentalmente incompreensíveis e
fascinantes, como representam perigo. Eles lembram as personalidades
atormentadas. Assim como os buracos negros, é melhor vê-las de longe, no tempo
e no espaço, à distância segura de um telescópio. Talvez assim seja possível
decifrá-la. Assim é possível sobreviver ao seu fascínio.
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras na Revista Época.)
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