Trancou a moto e tratou logo de abrir o zíper da pesada jaqueta de
couro. Notou uma gostosa que vinha pela calçada e diminuiu o passo para ver a
bunda dela. Nota 5, pensou, enquanto colocava a chave nos bolsos. A Caminhando
naquela marcha típica de quem esta atrasada a Gostosa entrou no SENAC, ele atrás.
Uma Velha aos pés da escada puxou conversa com a Gostosa, que respondia a tudo
meio impaciente. Ele fingiu ler o cardápio na entrada do restaurante. A Gostosa
subiu a escada, ele atrás.
No segundo andar ela seguiu subindo até o terceiro, ele entrou no
salão-escola. Foi até o fundo do salão, já cheio àquela hora. Corte ? Perguntou
uma das diversas loiras do local. Ele confirmou secamente. Qual o nome ? Perguntou
a Loira sem sequer olhar para ele. Roberto, respondeu. Não se chamava Roberto,
mas gostava de escolher nomes diferentes para esses momentos em que o nome não
tem a menor importância.
Desceu até o térreo para pagar o corte. Dois reais e cinquenta centavos.
Entregou as três moedas para a atendente, pegou o ticket e subiu as escadas de
volta correndo. Porque estou correndo ? Considerou. Entregou o ticket para a
Loira e sentou-se. Ameaçou pegar uma revista. Caras, Revista da ACIM ou
Contigo. Desanimou-se.
Logo outra loira chamou pelo Roberto. Loira e Gostosa. Ele foi até ela,
sorrindo e tirando a pesada jaqueta de couro. Ela indicou a cadeira com os
olhos. Ele acomodou-se e ela foi logo colocando a capa branca. Passava por esse
mesmíssimo ritual desde a infância. As únicas vezes em que não cortou o cabelo
usando aquela túnica foi na cadeia e quando, já reconduzido à liberdade, um
vizinho cortou seu cabelo com uma dessas máquinas compradas no Paraguai.
Como é seu nome ? Perguntou a Loira Gostosa. Roberto, respondeu ele, em
dúvida se ela o conhecia como Renato (seu verdadeiro nome), ou se ela era
apenas lerda, uma vez que o havia chamado pelo nome de Roberto a menos de
trinta segundos.
Acho que já cortei seu cabelo antes, arriscou ela. É possível, venho
aqui todo mês.
Outra dúvida: Ela estava dando mole ou querendo ser simpática.
Provavelmente nem uma coisa nem outra. Era apenas uma pergunta sem maior
importância ou consequência. Tentou ser simpático: Qual é o seu nome ? Rebeca,
ela respondeu. Ele sorriu lembrando de uma cadela que teve uns anos atrás, que
atendia (às vezes) por esse nome. Achou que não seria muito simpático revelar
esse capítulo de sua história para Rebeca Gostosa, as pessoas são imprevisivelmente
sensíveis.
Tirou o óculos e então nada mais existia, pelo grande espelho à sua frente via vultos brancos e dourados vagando atrás dele. Ouvia o vozerio ruidoso das loiras que tomava conta do ambiente, enquanto lembrava da Rebecca de Mornay. Ela nem é gostosa e só fez um filme que preste, chamado A MÃO QUE BALANÇA O BERÇO. O título faz referencia a um ditado que diz “a mão que balança o berço é a mão que governa o mundo (ou manda no mundo)”. Ele pensou em dizer pra Rebeca Gostosa que, na sua opinião, o ditado faz alusão aos professores. Quem sabe dizer o quanto os professores são importantes na formação do cidadão. Em como, cada vez que um professor ou professora reproduz um pensamento falocêntrico, homofóbico ou racista ele contribui para a reprodução dessas culturas. Mas seria um papo muito chato pra uma conversa de salão. Talvez num táxi com um motorista rastafári em Nova York fosse mais apropriado.
Suas divagações foram interrompidas por uma bicha que interpelava Rebeca
pedindo um “pé” de luva para tintura, já anterrindo da própria piada. Rir das
nossas próprias desgraças é uma virtude, mas rir das próprias piadas soa no
mínimo esquisito.
O pior é que Rebeca Gostosa não apertava o tal aparelhinho paraguaio
contra a cabeça de Renato, o que fazia com que a maquininha capeta puxasse
alguns fios brancos ou pretos de sua cabeça, causando uma dor infinitamente
menor do que aquele provocada pela doutora Denise (gostosa) exatamente uma
semana atrás, naquele mesmo horário, durante um procedimento odontológico no
qual a tal Doutora Gostosa retirou a um só tempo o segundo e o terceiro molares
superiores esquerdos. Talvez por ainda ter essa lembrança em mente ele nem
cogitou reclamar dos insignificantes puxõezinhos de cabelo.
Na verdade ele não reclamou porque não era de seu feitio reclamar. Alias
não era de seu feitio fazer nada. Ainda que Rebeca Gostosa lhe desse o maior
mole, ele não faria nada. Inércia congênita.
Por esse mesmo motivo não protestou quando Rebeca Gostosa não se
prontificou a lavar seu cabelo, como sempre fizeram todas as loiras que a
antecederam nos últimos 15 anos, período em que sempre cortou o cabelo no
SENAC.
Despediu-se, agradecendo resignado, desceu a escadaria e cruzou o
pavimento térreo até chegar na rua. Olhou a moto e por uma fração de segundos
considerou pra onde ir. Pensou em ligar pra ela e só então se deu conta de que
esquecera o celular no Shopping. E se ela ligar !? antesofreu, já em pânico.
Ela nunca ligou antes, porque ligaria logo hoje. Aliás ninguém liga pra você
Mané. Gostava dessa voz que o importunava vez ou outra. Pensou no Wagner, seria
um bom amigo pra essas horas. Ele parecia ser o tipo de cara que coloca as
pessoas nos trilhos, mas sem jamais indicar a direção a ser tomada.
Vamos pra casa, disse alto, como se opção houvesse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário