terça-feira, 19 de junho de 2012

Quanto me amaste mais do que te amei ?


















"Enquanto eu te fazia à minha imagem, tu me fazias à tua", 
pensou então com auxílio da saudade. 
"Dei-te o nome de José para te dar um nome 
que te servisse ao mesmo tempo de alma. 
E tu - como saber jamais que nome me deste? 
Quanto me amaste mais do que te amei", refletiu curioso.


"Nós nos compreendíamos demais, tu com o nome humano que te dei, 
eu com o nome que me deste e que nunca pronunciaste senão com o olhar insistente", 
pensou o homem sorrindo com carinho, livre agora de se lembrar à vontade.


"Lembro-me de ti quando eras pequeno", pensou divertido, 
"tão pequeno, bonitinho e fraco, abanando o rabo, me olhando, 
e eu surpreendendo em ti uma nova forma de ter minha alma. 
Mas desde então, já começavas a ser todos os dias um cachorro 
que se podia abandonar. 


Enquanto isso, nossas brincadeiras tornavam-se perigosas de tanta compreensão", 
lembrou-se o homem satisfeito, "tu terminava me mordendo e rosnando, 
eu terminava jogando um livro sobre ti e rindo. Mas quem sabe 
o que já significava aquele meu riso sem vontade. 
Eras todos os dias um cão que se podia abandonar."
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Clarice Lispector in
"O Crime Do Professor De Matemática."
Na íntegra AQUI.

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