domingo, 21 de abril de 2013

Ao amigo, com afeto


por Ricardo Gondim*


Desejo que em tuas tristezas, bem como em tuas alegrias encontres o ombro displicente de outro amigo, o ouvido discreto de um irmão e o olhar afirmador do Pai.

Desejo que em tuas ansiedades, diante da insegurança do porvir, aprendas a resignar-te. Quando te faltarem forças para lutar ou coragem para retroceder diante do impossível, que o teu sorriso expresse a paz dos que se reconhecem impotentes.

Desejo que desaprendas a arte de dissimular, o ofício de negacear e a obrigação de suplantar. Que a tua caminhada seja serena como o ribeiro que se espreme entre rochas. Deixa-te evaporar no tempo como o hálito que manchou o espelho. Sê discreto como o sal que temperou a carne. Sê transparente como a luz que colore o céu.

Desejo que te mantenhas sensível em tuas decepções. Deixa-te ferir com o sofrimento mais longínquo. Considera a miséria um demônio; a injustiça, uma deusa sanguinária e a indiferença, um inferno. Não te intimides em transformar-te em poeta. Converte a tua dor em verso, e que o teu cantarolar desafogue, com beleza, a indignação que te abate.

Desejo que sigas incógnito em tua busca por sentido. Não te inquietes com cenhos amedrontadores. Não te apequenes em tua insignificância. Não existem sinas a priori, vidas predestinadas, formas idealizadas de existência ou projetos pré-concebidos em alguma mente. Desobriga-te de suprir qualquer expectativa. Não te sintas lisonjeado e nem te enganes com o aplauso da multidão. A mão que te afaga hoje poderá apedrejar-te amanhã.

Desejo que as tuas insônias se mantenham intermitentes, espaçadas. Que aprendas a bordar esperança na escuridão da madrugada e que os anseios tecidos nas trevas virem ações no raiar do dia. Guarda os teus sonhos para os amigos mais íntimos. Para quê dizê-los a quem não respeitaria a imensidão de teu inconsciente? Transita pela sombra. Foge das luzes da ribalta. Resguarda-te. Se tens que seguir pela avenida, faze-o com discrição. Constrói-te em segredo.

Desejo que a tua espiritualidade seja suave como o balançar de uma folha na calmaria do outono; e o teu silêncio, reverente como uma prece. Torna-te um com o teu próximo para encontrares lugar na mesa do banquete universal. Logo todos voltaremos ao mesmo nada que antecedeu o dia em que nascemos. Que a tua memória seja doce no coração dos que te sobreviverem e eterna no coração de Deus.

Soli Deo Gloria


Ricardo Gondim é teólogo,
tem programa de rádio e é
colunista de vários veículos
de comunicação.
É autor premiado de vários
livros e artigos polêmicos.
www.ricardogondim.com.br

Nenhum comentário: